Gosto de transar e cobrar, diz prostituta formada em letras

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04 de agosto de 2014 • 

Gabriela Natalia da Silva, nascida no interior de SP e conhecida como Lola Benvenutti, rejeita o estigma de Bruna Surfistinha: “puta que sofre”

FONTE: PORTAL TERRA 
Desde criança, Gabriela Natália da Silva tinha uma enorme curiosidade por sexo. Nascida em
Pirassununga, interior de São Paulo, ficava encantada quando via peitos à mostra nos desfiles
de Carnaval pela TV.
Perdeu a virgindade aos 11, com um homem de 30 que conheceu pela internet. “Ele não estava bem com aquilo, por ele, ele não teria feito, fui eu que pressionei”, afirma. Aos 17, decidiu cobrar por aquilo que já fazia de graça. “Foi natural para mim.”  O codinome Lola Benvenutti virou seu nome ‘de guerra’ e, a partir de um blog, começou a chamar a atenção das pessoas da pequena cidade, que voltaram as atenções e os julgamentos aos pais, um ex-militar e uma enfermeira.
Lola estudou em bons colégios, passou na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e se formou em letras aos 20 anos, mas escolheu seguir na profissão mais antiga do mundo a despeito dos problemas que ela própria e sua família ganharam com a decisão.
Hoje, aos 22, mora no apartamento próprio no bairro dos Jardins, em São Paulo e, no próximo dia 11, lança um livro sobre sua história, O Prazer é Todo Nosso, que também já está na mira de alguns diretores interessados na adaptação para o teatro e para o cinema. 
Ela rejeita a comparação com Bruna Surfistinha e a fantasia acerca da profissão. “Sou uma em um milhão, sou privilegiada. A realidade nem sempre é tão bonita quanto eu vivo.” Também foge dos estereótipos. Vestida com um look romântico – calça preta, camisa florida e blazer pêssego, além de brincos de pérola -, encara o trabalho com delicadeza. “Eu vejo de uma maneira muito romântica talvez, muito delicada.”
Confira os melhores trechos da conversa e o ensaio exclusivo feito em uma suíte do motel Lush, na zona sul da capital paulista.
“Tive uma infância ótima, como qualquer criança, nunca tive nenhum trauma”
Terra: Como foi sua infância?
Lola Benvenutti: Minha família é muito bem-estruturada financeiramente e socialmente, tive uma infância ótima, como qualquer criança, sempre li muito, brinquei muito. Nunca tive nenhum trauma, todo mundo sempre tenta achar algum problema. Mas nunca me aconteceu nada que tenha sido um gatilho pra tudo isso. Eu sempre fui muito curiosa sexualmente. Lembro que eu tinha uma curiosidade de entender o que era o sexo, de me tocar, desde criança.
Terra: De onde você acha que partiu essa curiosidade?
L.B.: Eu não consigo identificar uma coisa, mas via mulher sem roupa no Carnaval e pensava: ‘hum, nossa, peitos!’. Eu lembro que quando era criança tinha uma dança da minhoca… lembro que coloquei um travesseiro no meio da perna e vi que aquilo dava algo que devia ser um orgasmo, mas eu não sabia.
Terra: Com quantos anos?
L.B.: Ah, sei lá, uns nove. Mas eu não sabia, depois que eu fui entender. A minha mãe sempre conversou comigo, sempre fui bem instruída, acho que essa questão da sexualidade talvez tenha vindo mais cedo do que para outras crianças. Mas nunca sofri por isso.
Terra: Com quantos anos perdeu a virgindade?
L.B.: Eu perdi muito nova, tinha 11 anos. As pessoas ficam muito assustadas porque elas veem isso como um estupro. Ele tinha 30 anos. A gente se conheceu na internet e se gostava, trocava carta de amor. Menti a minha idade, falei pra ele que eu tinha 16.
Terra: Mas você já tinha corpo?
L.B.: Ah, tinha pouco, sempre fui muito menina. Mas como eu tinha um papo muito convincente os caras acreditavam que eu era mais velha. Aí foi natural. Acho até que pressionei o cara pra transar comigo. Porque ser virgem para mim era uma coisa que me assustava. Eu não queria ser virgem, queria ser dona do meu corpo.
Terra: Você já tinha essa consciência? Sabia o que era sexo?
L.B.: Sabia. Não foi nada demais, ainda lembro que pensei: ‘gente, sexo é isso?’. Foi super desengonçado. Ele não estava bem com aquilo, por ele, não teria feito, fui eu que pressionei. Mas, enfim, não foi traumático.
Terra: Quando começou a história com prostituição?
L.B.: Eu sempre tive uma certa curiosidade. As minhas primeiras experiências eu tinha 17, estava no colegial. Aí entrava em sala de bate papo e pescava ali alguns caras que eu achava que não me ofereciam risco. Fiz poucas vezes. Na época eu lembro que eu ganhava mesada, e aí ganhei uma grana, pensei : ‘tô rica’, achei incrível.
Terra: Então foi uma escolha consciente?
L.B.: Acho que foi natural. Eu sempre tive essa coisa de sair com gente da internet.  Eu falei, ‘gente, vou monetizar isso’.
Terra: Nessa época, ainda era um segredo?
L.B.: Ah sim, uma amiga só sabia, porque eu fingia que ia estudar na casa dela e saía. Mas elas nunca entenderam muito, ninguém nunca me apoiou.
Terra: E quando veio à tona mesmo e deixou de ser um segredo?
L.B.: Quando criei o blog e criei um anúncio em um site de acompanhantes da região. Um dia fui na lotérica e vi que as moças paralisaram. Pensei: ‘bom, devem ser as tatuagens’. Todo o mundo ficou olhando [ela diz que tem em torno de 20, mas perdeu a conta]. Aí uma delas falou: “moça, posso te falar uma coisa? A gente ama o seu blog”. Aí saí até mal, atordoada. Achava que quem ia ler era quem estava querendo contratar meninas, não as pessoas em geral.
Nas épocas de pico, ela chegava a atender de oito a dez clientes por dia.
Terra: Sofreu preconceito?
L.B.: Chegava na faculdade e todo mundo falava, eu percebia. Aí vi que saiu um pouco do controle. Riscaram meu carro, tive problema com a minha orientadora. Ela não disse que era por isso, mas não sou idiota.
Terra: Como a sua família descobriu?
L.B.: Eu contei, antes de acontecer este boom. Preferi, porque sabia que se outra pessoa contasse ia feri-los muito mais.
Terra: Contou primeiro para quem?
L.B.: Para minha mãe. Ela não ficou chocada, mas muito triste, muito decepcionada. Só que, para mim, a dor maior seria não contar e viver uma mentira. Com meu pai foi muito difícil, ele parou de falar comigo por meses, e a gente sempre foi muito próximo. Quando a gente se reaproximou, eu disse pra ele: ‘pai, eu me sinto bem. Gosto de transar e cobrar das pessoas’. Meu pai, escutando aquilo, tinha lágrimas escorrendo. E meu pai nunca chorava por nada. Foi difícil.
Quando saiu na mídia, passaram dois dias e o Brasil inteiro estava me ligando. Meu pai se doeu, minha mãe ficou um ano sem falar comigo depois disso, porque também todos os dedos da cidade foram apontados para ela como uma mãe ruim. Foi bem difícil. Até então acho que eles pensavam que era uma coisa passageira.
Quando estourou, ficou muito complicado administrar o julgamento das pessoas. Meus pais são conservadores, meu pai foi militar por muitos anos, minha mãe, de família católica.
Terra: E como você administrou isso, sabendo que estava prejudicando outras pessoas?
L.B.: Sofri muito, mas sabia que tinha feito uma escolha. Sabia que não tinha mais volta.
Terra: Quantos programas chegou a fazer em um dia, nessa época em que estourou na mídia e começou a ser mais procurada?
L.B.: Muitos, de oito a dez. Hoje já não tenho mais esse pique, faço outras coisas. Também não dá pra viver em função disso.
Terra: Como é sua rotina?
L.B.: Vou pra academia, escrevo no blog, atendo alguns clientes durante o dia, gosto muito de ler. Hoje atendo menos pessoas, seleciono mais por conta do livro, tenho o blog, entrevistas. E quero retomar o mestrado.
Terra: Tem uma média de clientes semanais?
L.B.: Nunca tive isso. Quando começa a ficar assim, fica business demais, mecânico demais, perde o encanto. Eu vejo de uma maneira muito romântica talvez, muito delicada.
Terra: Qual é o horário em que você é mais procurada? Qual é o seu maior público?
L.B.: É muito amplo, mas são homens casados, solteiros, de 18 a 80, pessoas que têm certa carência em ser compreendidas. Também tem casais, mulheres. E o período é mais durante o dia.
Terra: Quando você sai com alguém fora do trabalho, você conta que é garota de programa?
L.B.: Às vezes sim, às vezes não. Acho que o cara já cria um estereótipo quando sabe que sou garota de programa, já vem esperando uma coisa. O meu último namorado era um cliente, a gente foi se aproximando, mas é difícil. O cara tem que ter uma segurança, uma confiança muito grande. Sempre digo que quem gostar de mim tem que entender que eu tenho um instinto de liberdade muito forte e não sou monogâmica.
TERRA: ANDAM COMPARANDO VOCÊ COM A BRUNA SURFISTINHA. O QUE ACHA DISSO?
L.B.: Li o livro da Bruna, vi o filme. Acho que, primeiro, ela teve um trauma. Essa coisa de ser adotada, de querer sair de casa, das drogas. Ela foi parar nesse mundo porque estava perdida. Aí se afundou. Não sinto ela falar com orgulho da profissão. Acho que, para ela, não foi um momento bom da vida dela. Enquanto para mim foi muito mais uma opção, nunca me senti mal, nunca me envolvi com drogas.
Terra: Você acha que seleciona mais os clientes?
L.B.: Acho que não dá para selecionar, mas tudo isso seleciona automaticamente. O cara que sai comigo é um cara diferenciado, gentil.
Terra: O preço tem a ver com isso?
L.B.: Não acho que é o preço. Acho que é o perfil.
Terra: Quanto custa um programa?
L.B.: Eu prefiro não falar valores. Depende do que a pessoa quer e do nível de dificuldade: uma prática de sadomasoquismo, inversão de papéis, um casal.
Terra: O que você já conquistou com dinheiro de prostituição?
L.B.: Ah, tenho meu carro. Meu apartamento, coisas que eu gostaria de ter. Gosto muito de moda. Guardo um pouco de dinheiro. Gosto de viver bem, de comer bem, não me privo muito das coisas. Mas sei que isso é passageiro.
Terra: O que você não faz na cama?
L.B.: Nada do que é crime eu faço. Zoofilia, pedofilia, práticas mais específicas dentro do sadomasoquismo. Não faço nada que eu não domino muito. Nunca usei droga com nenhum cliente, nem sozinha. Às vezes o cara pede, e eu falo que não uso.
Terra: As mulheres também tem te procuram muito?
L.B.: Sim, elas ligam tímidas e mais curiosas, tanto sozinhas quanto com o marido. Vejo que elas têm um pouco de vergonha, essa coisa de nunca ter tido orgasmo.
Terra: Já saiu com homossexual?
L.B.: Já. Uma vez um cara me ligou querendo que eu o convertesse [em heterossexual]. Era de uma família muito tradicional, um cara muito bonito, mas muito inseguro. Pela conversa que tive com ele, tudo indicava que ele gostava de homem. Aí ofereci uma assessoria para ele. A gente foi para alguns lugares, ele conheceu um cara que virou namorado dele e então saímos a três. Falamos que era o ‘tira-teima’. Foi muito divertido, a gente é amigo até hoje.
Terra: Qual foi o lugar mais caro aonde um cliente já te levou?
L.B.: Fui atender um pessoal em Ribeirão [Ribeirão Preto, também no interior de SP] em uma festa de ménage [sexo a três] que era uma superprodução. Numa fazenda, 15 casais, luxuosíssimo, as meninas com joias, os meninos de Rolex. Ostentação total. Recebi um pagamento muito bom. Era um grupo fechado, alguns médicos, algumas mulheres. “Acho que o sexo foi um caminho para eu aprender a gostar de mim”
Terra: Tem alguma situação que te fez rir?
L.B.: Já teve de o cara soltar pum, acho que foi o dia que mais segurei risada na minha vida. A primeira vez em que vi um cara de calcinha também quase morri. Hoje vejo isso com tranquilidade, eu respeito, tem bastante cara que gosta. Mas a primeira vez em que um cara gordinho falou que pegou a calcinha da mulher e colocou, gente, fiquei paralisada. Eu não podia rir. Ele falando ‘eu sou sua putinha, sua vadia’.  E eu pensando ‘ai meu Deus, não sei lidar com isso!”.
Terra: E os pedidos mais bizarros que já ouviu?
L.B.: Já pediram para eu transar com orangotango, pra treinar os cachorros pra zoofilia, para fazer ménage entre mãe e filho, irmão e irmã. Não faria nem por 5 milhões. Um cara pediu para eu ficar usando a calcinha por uma semana, fazer xixi e não limpar.
Terra: Você tem prazer? Sempre chega ao orgasmo?
L.B.: Tenho, mas nem sempre tenho orgasmo, ninguém tem sempre. Só que faço tudo para chegar todas as vezes. Dou dicas para o cara. Às vezes ele está fazendo tudo errado, aí eu falo mais ou menos como eu gosto.
Terra: Você tem a autoestima boa?
L.B.: Tenho, mas sempre fui ‘patinho feio’ na escola. Não tinha peito, nunca fui bonita. Acho que o sexo foi um caminho para aprender a gostar de mim. Hoje tenho uma autoestima boa, mas não acho que sou tudo isso, acho que sei me arrumar.
Terra: Vejo que você tem um estilo mais clássico de se vestir. É isso mesmo?
L.B.: Não gosto de coisa justa, de coisa curta. Acho que o sexy é a sugestão, prefiro muito mais elegância a uma coisa muito explícita. É muito engraçado quando apareço para uma entrevista. Acho que as pessoas esperam o peito explodindo e, quando apareço assim, já desarmam.
Terra: Teve algum programa em que você atuou como acompanhante?
L.B.: Várias vezes. Às vezes nem rola sexo. Já tive cliente que pagou ‘carésimo’ para passar uma noite comigo, só conversando. Não tirou minha roupa, não tirou a roupa dele.
Terra: E qual foi o máximo de pessoas com quem já transou ao mesmo tempo?
L.B.: Naquela festa de Ribeirão, foram 15 casais.
Terra: Como fica depois?
L.B.: Tiro alguns dias de férias. Fico cansada, é desgastante. Durmo muito.
Terra: Já entrou em alguma roubada?
L.B.: Uma vez saí com um gringo, ele disse que ia me pagar em peso, que viajava muito. No dia seguinte fui trocar o dinheiro e não tinha valor nenhum. Sei lá, era uma nota comemorativa. Perdi uma grana.
Terra: Você já disse que a Gabriela Leite é um ídolo para você. Por quê?
L.B.: Não sou nada perto dela, para mim ela é tudo. Ela é única, e todo mundo fica ‘Surfistinha, Surfistinha’. Acho triste, porque a Bruna ajudou a reforçar um estigma, essa coisa da puta decadente, que sofre, e não é assim. Tem muita gente que vive bem com isso. E nós somos pessoas, você não pode generalizar.
Terra: O que você costuma ler?
L.B.: Gosto muito dos autores africanos, acho que o sofrimento deles com as guerras e com todas as mazelas sociais trazem um lirismo para a literatura que é extremamente poético.
Terra: Pretende trabalhar um dia com isso, na área de Letras?
L.B.: Não sei, mas que bom que a gente pode mudar sempre. Se um dia eu achar que quero dar aula, eu vou dar aula. É uma carreira instável, a beleza passa, então você tem que procurar caminhos para se manter.
Terra: Pretende se casar?
L.B.: Não é o sonho da minha vida, mas acho que em algum momento vou querer ter filhos, ficar com alguém. São fases.
Terra: Vale a pena ser prostituta?
L.B.: Para mim valeu. Muita gente me manda e-mail falando que quer entrar pra esse ramo. Eu falo que sou uma em um milhão, sou privilegiada. A realidade nem sempre é tão bonita quanto eu vivo. Não daria este conselho para as pessoas.

Conteúdos do blog

As publicações deste blog trazem conteúdos institucionais da Pastoral da Mulher – Unidade da Rede Oblata Brasil, bem como reflexões autorais e também compartilhadas de terceiros sobre o tema prostituição, vulnerabilidade social, direitos humanos, saúde da mulher, gênero e raça, dentre outros assuntos relacionados. E, ainda que o Instituto das Irmãs Oblatas no Brasil não se identifique necessariamente com as opiniões e posicionamentos dos conteúdos de terceiros, valorizamos uma reflexão abrangente a partir de diferentes pontos de vista. A Instituição busca compreender a prostituição a partir de diferentes áreas do conhecimento, trazendo à tona temas como o estigma e a violência contra as mulheres no âmbito prostitucional. Inspiradas pela Espiritualidade Cristã Libertadora, nos sentimos chamadas a habitar lugares e realidades emergentes de prostituição e tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, onde se faz necessária a presença Oblata; e isso nos desafia a deslocar-nos em direção às fronteiras geográficas, existenciais e virtuais. 
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