Por Andréa Martinelli Do Huffpostbrasil
“Cala a boca. Vão ficar ouvindo a sua voz e vão saber que é tu”.
“Tapa o rosto da novinha”.
Um ano depois, o mesmo crime.
Na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, uma menina de 12 anos foi vítima de um estupro coletivo. A investigação ainda não tem detalhes sobre quais eram as circunstâncias do crime que, assim como o caso da jovem de 16 anos que foi estuprada coletivamente no ano passado, foi registrado em um vídeo e divulgado na internet.
Segundo a polícia, pelo menos cinco rapazes aparecem nus nas imagens. A vítima tenta se esconder atrás de uma almofada e grita pedindo para que o estupro pare, mas os homens continuam com as agressões. As frases acima compõe o vídeo.
A denúncia foi feita na última sexta-feira (5) por uma tia da menina e está sendo investigado pela delegada Juliana Emerique, titular da Delegacia da Criança e do Adolescente Vitima (Dcav). A investigação ainda não sabe quais eram as circunstâncias do encontro entre a jovem e os rapazes, mas é conhecido que o crime aconteceu no último domingo (30).
Segundo o jornal Extra, do Rio, a investigação pretende não divulgar detalhes da localização da adolescente para protegê-la. Informações preliminares dão conta de que a menina só conhecia um dos rapazes envolvidos. A delegada informou ao jornal que vai averiguar ainda quem são as pessoas nas imagens e se são maiores de idade.
“É muito importante que quem conhecer essa história denuncie os autores. As imagens mostram que há crime. Ela tem 12 anos, o que já é estupro de vulnerável. Além disso, as imagens deixam claro que não foi consentido”, disse Emerique.
Quem souber de mais detalhes ou informações complementares sobre o caso pode levar à delegacia do Rio de Janeiro pelo número de telefone 100 ou pelo Disque-Denúncia 2253-1177.
A delegada afirmou ao G1 que há uma “gama de crimes” neste caso, que vão além do estupro de vulnerável. Há também a divulgação das imagens e a armazenagem dessas cenas. Para a delegada, o fato de envolver uma menina de 12 anos configura estupro mesmo que a situação ocorresse com o consentimento da vítima.
As penas de estupro de vulneráveis vão de 8 a 15 anos de prisão. Os criminosos, que vão responder por estupro de vulnerável, deverão ser incluídos no artigo 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que pune quem filma e reproduz cena de sexo envolvendo crianças ou adolescentes.
“É um crime abominável, muito grave, que demanda uma ação imediata. Equipes da Dcav estão na rua para tentar identificar principalmente o local e os personagens envolvidos. Não só aqueles que praticaram o ato, mas todos aqueles que estejam difundindo as imagens pela internet”, disse a delegada, segundo o Estadão.
Quem divulgou ou compartilhou as imagens do crime pode responder por divulgação de material pornográfico envolvendo menores. Segundo o ECA, a pena vai de 3 a 6 anos de reclusão. Mas não é apenas divulgar. O ato de portar o vídeo no telefone celular ou em qualquer outro dispositivo também é crime com pena de 1 a 4 anos de reclusão.
Neste sábado (6), a Polícia Civil do Rio de Janeiro encaminhou um ofício ao Facebook para que seja retirada da rede social o vídeo divulgado com o crime. A menina deve prestar depoimento e ser encaminhada para exames nesta segunda-feira (8).
Um ano depois, a mesma violência
Em maio de 2016, uma jovem de 16 anos foi estuprada coletivamente na Comunidade na Barão, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Um vídeo que mostrava a vítima desacordada foi gravado pelos criminosos e divulgado nas redes sociais. O crime, e a forma como foi divulgado pelos próprios estupradores gerou revolta e mais de 800 denúncias foram feitas ao Ministério Público do Rio.
Inicialmente, havia suspeita de que a vítima, havia sido abusada sexualmente por mais de 30 homens. Com a investigação, três pessoas acabaram formalmente acusados pelo crime e foram condenados a 15 anos de prisão em regime fechado. Dois dos acusados seguem presos e o terceiro envolvido está foragido da Justiça. A adolescente acabou sendo incluída no programa de proteção do governo.
A titular da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima do Rio de Janeiro, Cristiana Bento, que assumiu a investigação do caso, à época, disse que a vítima foi violentada duas vezes: pelo estupro e pela sociedade.
“Ela é vítima dos autores daquele ato de violência e da sociedade, que subtraiu dela os valores morais, sociais”, disse a delegada em audiência sobre cultura do estupro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Mulheres são violentadas a cada onze minutos no Brasil. Esta foi a conclusão do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgado em 2015. Até o ano de 2009, o estupro era considerado crime contra a honra. E ainda hoje o estupro é um dos crimes menos notificados do Brasil.
Cerca de 50 mil casos de estupro são registrados anualmente no Brasil e estima-se que isso representa apenas 10% da quantidade dos casos. A pessoa que é violentada, a maioria das vezes, deixa de denunciar com medo de retaliações, com vergonha de se expor, e até mesmo com receio de serem culpadas ou expostas pela violência sofrida.
A violência contra meninas
Andreia M., de 23 anos, foi abusada pelo pai de uma amiga aos oito anos de idade, enquanto estudava, e escondeu o que aconteceu por vergonha e culpa. Patrícia D., de 28 anos, foi estuprada aos 16 anos por um desconhecido e, mais tarde descobriu que estava grávida. Maria C, de 32 anos, sofreu uma tentativa de estupro pelo próprio avô, aos 12 anos. Estas são só algumas das histórias que ilustram o tipo de violência sexual que milhares de meninas sofrem pelo Brasil e, em sua maioria, em silêncio. Estima-se que apenas 10% dos casos de estupro sejam notificados no País.
“A violência contra mulher começa na infância. Isso não tem como negar”, disse Viviana Santiago, especialista em gênero da ONG Plan Internacional, em entrevista ao HuffPost Brasil. “A sociedade é tão machista, que culpa uma menina como mulher por um abuso. Como se o consentimento fosse algo possível para uma criança seis e dez anos de idade, por exemplo”, completa.
Apenas por ser do sexo feminino, milhares de meninas estão sujeitas à violência e o agressor, na maioria das vezes, está dentro de casa. Elas são 94% das vítimas de estupro no Brasil, segundo dados do Ipea.