Wang Xiaohong, de 43 anos, em Pequim M. V. L.
Prostituição é ilegal no país, mas tem aumentado acompanhando o desenvolvimento econômico.
Durante o dia, Jinjin colabora com uma ONG e promove o sexo seguro, distribui preservativos e ensina as prostitutas de Pequim sobre como evitar as doenças sexualmente transmissíveis e sobre seus direitos. À noite, em um clube de entretenimento, é mais uma delas. Com um corpo cheio de curvas e um sorriso malicioso, não tem dificuldades para conseguir clientes.
“É uma vida confortável”, diz ela, dando de ombros. “Por dia posso ganhar mais de mil iuanes (cerca de 500 reais) facilmente, por mês mais de 30.000 (13.500 reais). Os clientes às vezes me convidam para jantar, me dão presentes, capricham comigo. Em qual outro trabalho poderia ganhar tanto dinheiro? A ONG paga muito pouco”.
Está na indústria do sexo há 7 anos. Em 2010, aos 24 anos, decidiu deixar sua vida em um povoado de Anhui, uma das províncias mais pobres da China, e o marido que detestava. Os primeiros meses, ao chegar a Pequim, foram bastante difíceis. “Comecei como vendedora ambulante, mas quase não tinha dinheiro. Não tinha contatos, não conhecia ninguém. Não me restou outra opção”.
A prostituição é teoricamente ilegal na China. Quase desaparecida durante o período maoísta, começou a ressurgir no momento em que o país iniciava sua escalada econômica nos anos 1980. Hoje em dia é um setor em crescimento, e presente em todos os lugares, nas salas de karaoquê, salões de massagem e cabeleireiros onde se oferecem “serviços especiais”. A ONU calcula que entre quatro milhões e seis milhões de pessoas a praticam, ainda que alguns estudos apontem que essa cifra pode chegar aos 10 milhões.
“Quando o estômago está cheio, chega a hora de pensar no sexo”. É um dito chinês citado pela escritora Zhang Lijia, que investigou o setor durante 12 anos para documentar seu romance Lotus, a história de uma jovem prostituta. Zhang percebe uma relação direta entre o boom econômico chinês e o “espetacular retorno” do mercado do sexo.
A riqueza súbita lançou luz sobre a “tendência hedonista” reprimida durante o maoísmo, diz a autora. Muitos negócios são discutidos rodeados de comida, bebida e mulheres. Ter uma amante é, para muitos homens, uma questão de prestígio e um modo de exibir seu nível econômico. Além disso, o desenvolvimento urbano atraiu às grandes cidades muitos homens de outras regiões do país que viajam sem suas famílias. A tudo isso se soma a revolução sexual vivida na China desde os anos 1990.
A maioria das prostituas na China — explica Zhang — provém das zonas rurais, atraídas pela promessa de uma vida melhor nas cidades do leste ou em busca de deixar para trás, como no caso de Jinjin, um casamento ruim. O tráfico é algo minoritário. “Normalmente entram nesse mundo por sua própria vontade, ainda que motivadas pela falta de outras opções. Não é uma decisão fácil”, afirma a escritora.
Wang Xiaohong começou de uma maneira típica, em um salão de cabeleireiro que oferecia “serviços extras”: “Me disseram para cortar cabelo e fazer massagens. Como não sabia fazer nenhuma das duas coisas, me disseram então que teria que fazer sexo com os clientes”. Agora, com 43 anos e há mais de 15 na profissão, trabalha por conta própria. Tem um quartinho alugado em um hutong, uma viela tradicional, em um bairro de classe média baixa no sudeste de Pequim, onde a cama enorme não deixa espaço livre para mais nada. Em cima dela come, conversa e trabalha.
Como sua amiga Jinjin, Wang não considera que sua vida seja especialmente ruim. Consegue ter caprichos com os quais em sua vida anterior não poderia nem sonhar: compra roupas e viajou de férias para a Malásia. Afirma ter comprado uma casa com jardim em Hebei, província próxima a Pequim, e alguns apartamentos na capital, seu “seguro de vida” quando chegar a hora de se aposentar: “E já não me falta muito. Já não ganho como antes. Alguns clientes reclamam comigo, dizem que queriam alguém mais jovem”.
Em uma sociedade como a chinesa, na qual a igualdade de gênero ainda é um sonho distante, essas mulheres desfrutam ante suas famílias do poder e do status que conseguem graças ao dinheiro. “É uma situação complicada, não é uma vida de desgraça completa. Elas têm vínculos de amizade muito fortes entre si. Algumas desfrutam da atenção que seus clientes lhes dão, e gozam de um prazer sexual que seus maridos e seus noivos não lhes davam”, diz Zhang.
Prostitutas detidas em Dongguan, no sudeste do país, em 2014 STRINGER REUTERS
Os principais problemas citados por Wang e Jinjin são as incursões periódicas e os abusos da polícia: de exames obrigatórios de Aids e agressões a vexames. Um levantamento da ONG Asia Catalyst apontou no ano passado que 43% das trabalhadoras sexuais foram interrogadas pela polícia nos 12 meses anteriores. Segundo o estudo, 71% delas foram parar na delegacia, 27% foram multadas e 47% ficaram sob detenção administrativa. Uma detenção sem julgamento prévio que pode durar até dois anos em um centro de reeducação, onde normalmente se exige que trabalhem de graça todos os dias da semana.
É mais provável que sejam presas se tiverem levando consigo preservativos, algo que a polícia considera prova de suas atividades, segundo a ONG. “Normalmente, sempre tem alguém vigiando a entrada de nossos locais de trabalho. Se nos avisam, temos que nos desfazer de nossos preservativos de imediato, jogando no vaso ou como for”, diz Wang.
Outro de seus grandes medos é a Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis: representam 48,6% das mulheres infectadas pelo HIV na China. Entre as prostitutas, 66% admitem ter sofrido sintomas de alguma DST no último ano. Sua condição de trabalhadoras ilegais também as deixa indefesas ante a possível violência dos clientes.
A luta contra a corrupção lançada pelo Governo desde a chegada de Xi Jinping ao poder também atingiu o setor e o tornou menos visível. Em Pequim, uma campanha de embelezamento da capital derrubou muitos pequenos estabelecimentos onde essas mulheres trabalham. “A alternativa foi alugar apartamentos e marcar as datas através das redes sociais”, dizem na Asia Catalyst.
Jinjin aponta outro fator: a campanha de destruição de estruturas ilegais em Pequim deixou sem trabalho e afastou muitos imigrantes. Com isso, afirma, perdeu clientes. “Agora trabalhamos menos”, se lamenta. Com certeza, afirma, gostaria que a sociedade retirasse o estigma que a prostituição tem, e que deixasse de ser uma atividade proibida. Legalizada e regulada? “Algo como isso, ou talvez não. Haveria mais competição. E os clientes seriam mais exigentes”, brinca.
Fonte: El Pais