Só a partir dos anos 50 foi destinado às mulheres, o trabalho fora das casas
por Alexandra Machado Costa no DM
Goiânia está em 5º lugar no ran-king nacional dos números sobre a violência contra mulheres. Este dado é parte da questão social e não será revertido se não houverem ações mais contundentes, do poder público e da sociedade em geral, para uma profunda mudança comportamental que altere a herança cultural que recebemos ao longo dos séculos e que vê o assédio à mulher de forma naturalizada, já que seu corpo é colocado como objeto de consumo, pela mídia brasileira.
Pensando o Brasil em seus primórdios, percebemos que somente a partir dos anos 50 foi destinado às mulheres, o trabalho fora das casas, em espaços públicos. Até então, as mulheres de classe alta, não ocupavam as ruas. As mulheres trabalhadoras, geralmente “domésticas”, sempre foram expostas ao assédio e este tipo de violência ficou banalizado.
Os direitos das mulheres brasileiras sempre ficaram aquém, em relação aos dos homens. São muitos, os homens que se sentem livres para incomodar-nos com palavras sexualizadas de baixo calão na rua, gestuais e até atitudes de contato físico, sem consentimento, nos transportes públicos, na rua ou no trabalho.
Participamos, ao longo dos séculos, de uma construção social em que a mulher é vista como propriedade do homem, devendo se submeter a este. Além do que, essa construção social orienta os homens ao desejo compulsivo pelo corpo da mulher, objetificado, culturalmente.
Recentemente, a jornalista Karin Hueck revelou, após pesquisa, que 99,6% de 7.762 mulheres questionadas, já sofreram algum tipo de assédio sexual ou verbal, na rua, no trabalho ou na vida social. Destas, 83% se sentiram envergonhadas ou constrangidas com as cantadas e 90% declarou que já trocou de roupa por medo de assédio, de ter que ouvir o que não quer, a qualquer momento, o que ocorre muitas vezes, a partir de desconhecidos, que vêm as mulheres como objeto passivo de seus desejos e ferem o direito de ir e vir, garantido constitucionalmente, revelando, em nossa sociedade, o desprezo pelos direitos do próximo.
Diariamente, convive-se com as famosas “cantadas”, com as “encoxadas” no transporte público, a “passada de mão” ou o beijo forçado na balada. Os termos “gostosa” e “delícia” são alguns termos que aparecem nas ditas “cantadas”, como se a mulher fosse um pedaço de carne ou outra iguaria comestível. Entretanto, estar em espaço público não torna o corpo da mulher público, independente da roupa que ela quer usar. Roupa não garante respeito e nem previne estupro em nenhum lugar do mundo; vide países do Oriente Médio e a atual “cultura dos estupros” na Suécia, Noruega e Alemanha.
Recentemente, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revelou, após pesquisa, que 26% de 3810 brasileiros entrevistados concordam total ou parcialmente com a afirmação de que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. O dado faz parte do estudo “Tolerância social à violência contra as mulheres” e entrevistou homens e mulheres. São dados preocupantes, já que configuram a culpabilização da vítima pelo estupro.
Psiquiatras indicam que a atitude assediadora pode ser originada por um transtorno de impulso, quando uma pessoa tem vontade de alguma coisa e não controla e que uma infância conturbada ou cheia de violências e desrespeitos pode estar relacionada a essas práticas. Problemas na urbanização também corroboram, em cidades em que as prefeituras não iluminam as ruas, não limpam os matos e não disponibilizam transporte público 24 horas. É preciso entendimento e trabalho interprofissional e interinstitucional para se resolver este fenômeno.
De acordo com o Fórum Econômico Mundial, o Brasil saltou de 82º para 62º lugar em se tratando de redução de desigualdade de gêneros. A Constituição Federal/88 e as leis trabalhistas, eleitorais, civis e penais têm diversos dispositivos de proteção à mulher. No entanto, isto não tem sido suficiente para impedir discriminações, humilhações e as agressões físicas que levam ao feminicídio.
A ONG ÉNois Inteligência Jovem, em parceria com os institutos Vladimir Herzog e Patrícia Galvão, entrevistou 2.285 mulheres com idades entre 14 e 24 anos e renda familiar até R$ 6 mil, em de 370 cidades brasileiras, revelando que 94% delas já foram assediadas verbalmente e, 77%, sexualmente. Entre os crimes cometidos, 72% ocorreram com desconhecidos.
Mas o assédio e a violência sexual não vêm apenas de desconhecidos e pode estar até dentro da própria casa, ou no círculo social/profissional da mulher. Muitos têm sido os casos de abusos e até estupros cometidos por pais, avôs, tios e amigos, nas famílias; às vezes, até com consentimento e participação das mães.
A violência contra mulher assume diversas formas e inclui o maltrato físico, assim como o abuso sexual, psicológico e econômico. Pode começar na infância da menina. A violência doméstica, quase sempre se sustenta em discriminações comportamentais e na desvalorização do trabalho doméstico realizado na casa e/ou nos cuidados com a prole, através de agressões físicas, psicológicas e sociais.
Define-se como assédio sexual, a abordagem não desejada pelo outro, com intenção sexual ou insistência inoportuna, e violência sexual, como qualquer ato de prazer que envolva outrem, sem o seu consentimento. São muitos, os homens que não entendem que quando uma mulher diz “não”, ela quer dizer “não”.
Pesquisa da OIT – Organização Internacional do Trabalho revela que 52% das mulheres economicamente ativas já sofreram abuso psicológico ou físico, no ambiente profissional.
Elogios constantes e dispensáveis, insinuações, estórias e confidências íntimas e toques constrangedores, podem evoluir para beijos “roubados”, abraços e outros contatos mais íntimos e caracterizam o assédio sexual, ocorrendo mais do que se imagina, até sob ameaça de demissão ou em troca de alguma vantagem ou promoção. Para algumas mulheres, isso ainda é uma via de ascensão social, já que a mídia propaga que a mulher ideal é “bonita e gostosa, elegante, bacana, glamourosa e gosta de ser olhada”. Tornou-se natural e comum, para algumas pessoas, a conquista de algumas coisas, por esses atributos. Não se trata aqui, da criação de um padrão de valores e padrões comportamentais.
A paquera não configura um crime e se diferencia pela concordância entre as partes, quando há reciprocidade e interesse mútuo em determinada relação, sem abusos morais ou psicológicos permeando a relação.
Também, ressalte-se que um fato isolado não é suficiente para a caracterização do assédio moral; é preciso que ocorram fatos de forma constante e repetitiva, no intuito de humilhar, diminuir, isolar e ainda, reduzir autoestima de outra pessoa.
Para a desembargadora, jurista e professora Alice Monteiro de Barros, “o que caracteriza o assédio moral é a intensidade da violência psicológica, o prolongamento no tempo, o objetivo de ocasionar dano psíquico ou moral com o intuito de marginalizar o assediado, e que se produzam efetivamente os danos psíquicos”.
Como violência psicológica que é, o assédio moral atenta contra a honra, a vida privada, a imagem e a intimidade da pessoa agredida, e outros direitos fundamentais e bens imateriais protegidos pela CF/88, violando a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, o que assegura o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrentes de sua violação, sendo que o assédio pode ser um ato concreto ou uma omissão, e o direito à indenização encontra respaldo no artigo 186 do Código Civil e nos artigos 1º e 5º, da CF/88, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, principalmente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana e da valorização do trabalho humano, pois causa dano à vítima e gera a obrigação de indenizar, tendo o agressor o dever de reparar o prejuízo causado, por meio de pagamento em dinheiro, a ser fixado pelo juiz, destinado a reparar as consequências do ato ilícito, o que está previsto no artigo 927 do Código Civil, e embora ainda não exista uma lei específica para punir a prática do assédio moral, existem projetos de lei tramitando no Congresso Nacional sobre o tema e ainda, leis municipais e leis estaduais, além de cláusulas em convenções e acordos coletivos de trabalho dispondo sobre prevenção à prática de assédio moral nas dependências das empresas.
A punição pode recair tanto para o assediador, quanto para a empresa empregadora que permitiu o ocorrido, com responsabilização em diferentes esferas: na penal por crimes de injúria e difamação, constrangimento ou ameaça; na trabalhista, com o risco de dispensa por justa causa e ainda, por mau procedimento e ato lesivo à honra e à boa fama de qualquer pessoa e por fim, na esfera cível.
O melhor combate a esse tipo de prática não é a via punitiva e sim, a preventiva, seja por meio de campanhas publicitárias de esclarecimento ou ainda por meio de palestras oferecidas pelas empresas e instituições, possibilitando que trabalhadores e chefias tenham conhecimento do que é o assédio e sejam capazes de identificar situações de abuso.
Urge, no Brasil, um processo educativo sistemático, que altere o comportamento das pessoas, para a promoção do respeito uns aos outros, independentemente de sexo, raça e orientação sexual. Este é um desafio cultural e de segurança pública, inclusive.
Está na Educação, a forma mais eficaz ao combate de comportamentos sexistas. Desde a educação básica, deveria-se discutir o entendimento de que a relação entre homens e mulheres deve estar pautada pelo respeito, pela autonomia, pela liberdade e pela dignidade humana, propiciando a formação de uma nova mentalidade.
Tanto a escola quanto a família, funcionam como espaços de reprodução de lógicas machistas, promovendo a desigualdade entre meninos e meninas, através de comportamentos sexistas, com conceitos de certo e errado ainda diferenciados para garotos e garotas, principalmente quando se trata das questões afetivas e sexuais. O homem aprende a ser agressivo e a tratar mulheres como coisas, sem o direito de manifestar carinho e afeto, que são coisas de meninas ou de “bicha”. Mulheres aprendem que devem ser “bem comportadas”, discretas e tolerantes à “natureza” dos meninos. Aos homens, a liberdade sexual e a libertinagem; às mulheres, a classificação de “puta”, “piranha”, “safada”, ao menor sinal de manifestação de sua sexualidade; e quanto mais pobre financeiramente, pior.
A visão machista e a violência aparecem claramente, de forma corriqueira na família, desde a divisão das tarefas domésticas e as brincadeiras permitidas: aos meninos, carrinhos, profissões diversas, lutas; às meninas, bonecas, fogõezinhos, réplicas relacionadas à pedagogia, enfermagem. Como se meninos não precisassem cuidar de suas necessidades pessoais, tampouco de amar e cuidar de filhos e meninas não pudessem dirigir ou ter outra profissão que não indique ser “cuidadora” e dadivosa.
O mais grave: são quase sempre as mulheres, que na sociedade, nas famílias e nas escolas, reproduzem esta visão míope e medíocre. Os homens são, comumente, educados por mulheres; são solidários entre si, inclusive; as mulheres, não.
A acusação do surgimento de uma “patrulha feminista” persegue a luta das mulheres, estereotipando-a e negando a questão de gênero, que para pessoas mal esclarecidas, torna as mulheres “rebeldes” e induz ao “fim das famílias”, considerando que se as mulheres resolverem não mais assumir a responsabilidade de lavar, passar, cozinhar e arrumar seus lares, estarão destruindo-os.
Ainda que estes serviços signifiquem jornada de três turnos e sacrifício do descanso aos finais de semana, já que a grande maioria das mulheres trabalham fora de casa.
A sensibilização de toda a sociedade e principalmente dos homens, para que se entenda e reconheça abusos e violências, é fundamental na construção da nova mentalidade que se preconiza para um mundo melhor, justo e solidário, bem como a garantia de processos de empoderamento das mulheres, visando a auto consciência, a independência econômica e o exercício da cidadania, através da ampliação de serviços públicos de segurança, justiça, saúde, educação e assistência social às mulheres.
Em casos de assédio/violência laboral (no trabalho), pode-se buscar a garantia dos direitos constitucionais nos sindicatos e conselhos regionais das diversas profissões, nos conselhos municipais e estaduais de direitos, nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), no Ministério do Trabalho e Emprego. Em caso de serviço público, procure ajuda também no setor de atendimento à saúde ou Recursos Humanos do órgão empregador e/ou nas seguintes instituições e órgãos: Ministério Público de Trabalho, Justiça do Trabalho, Comissão dos Direitos Humanos da OAB.
Em casos de violência doméstica, o pedido de socorro ou denúncia (que pode ser anônima), pode se realizar através do número 180, da Central de Atendimento à Mulher, do Governo Federal.
Fonte: http://www.geledes.org.br/violencia-contra-mulheres-no-brasil-de-hoje/#ixzz43YduEJg8