Nelia, 20, aluga um quartinho no apartamento de uma senhora no centro de Havana. É lá que a moça mora desde que chegou do interior, há quatro meses.
Quando Nelia leva o cliente para casa, a dona do apartamento entrega um lençol limpo e fecha a porta que separa o quarto da sala.
“Prefiro atender em hotel, mas às vezes o cliente não quer me levar até lá”, diz a morena franzina.
Como muitas cubanas, Nelia vê a prostituição como atalho para sair da pobreza e só atende estrangeiros -Cuba recebe três milhões de turistas por ano, boa parte homens em busca de sexo.
O número de visitantes deve engrossar em breve com a chegada dos americanos no embalo da normalização entre Havana e Washington.
O acordo histórico firmado em dezembro prevê o relaxamento das restrições de viagem de cidadãos dos EUA a Cuba e uma reaproximação econômica.
Marlene Bergamo/Folhapress
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Jovens que se prostituem aguardam por clientesno Malecón, calçadão à beira-mar em Havana |
Nelia é leiga em política, mas entende que o pacto pode beneficiá-la. “Quanto mais turistas, melhor”, diz a moça, que trabalha no Malecón, o calçadão à beira-mar em Havana.
Yosefin, 20, que também faz ponto no Malecón, está animada com a possibilidade de atender americanos: “Eles têm fama de gastões.”
Mas Beatriz, 20, que trabalha na rua e em discotecas, se mostra preocupada com um possível efeito colateral da presença americana.
“Cidadãos dos EUA continuarão sendo tema sensível aos olhos do nosso governo e, por isso, acho que haverá ainda mais policiamento nas ruas”, diz Beatriz, ecoando o pânico que prostitutas cubanas têm das autoridades.
Em tese, a prostituição não é vetada. Mas a polícia reprime com força o proxenetismo e, principalmente, o “assédio a turistas”, termo jurídico vago que dá carta branca para prender prostitutas.
Críticos dizem que a polícia usa o pretexto do assédio para dificultar contatos com estrangeiros e para extorquir garotas de programa.
Beatriz já ficou presa uma semana por conversar com um turista. Yosefin passou uma noite na delegacia antes de ser libertada.
Para despistar patrulhas, garotas de programa costumam caminhar alguns metros à frente dos clientes enquanto se dirigem ao local onde o serviço será prestado.
Mas na porta do Deauville, lúgubre hotel em frente ao Malecón, a Folha viu policiais que assistiam sem reagir a um ostensivo entra e sai de cinquentões europeus e prostitutas. “Para trabalhar no Deauville é preciso ter algum esquema com o pessoal do hotel. E eu não tenho nada disso”, diz Nelia, inquilina do quartinho.
COMPETIÇÃO
Sozinha e inexperiente, Nelia se queixa da dura concorrência e diz passar dias sem trabalhar. Além das profissionais, há garotas que fazem programas ocasionais.
Quando o repórter pergunta se a filha adolescente da dona do apartamento, que assiste à TV com uma toalha na cabeça após lavar o cabelo, também faz programa, Nelia responde: “Só de vez em quando. Mas a mãe não sabe, porque ela só tem 16 anos.”
Nelia cobra o equivalente a US$ 50 por programa no quarto alugado e o dobro em hotel -valores maiores do que a renda mensal média dos cubanos.
No ramo há oito anos, Yanela, 24, diz ter conseguido economizar dinheiro a ponto de ficar meses sem trabalhar. Como outras garotas, ela afirma receber, além do valor pelo serviço, presentes como roupas e eletrônicos de marca, inacessíveis para muitos cubanos.
“Estrangeiros são mais generosos e educados. Por isso, não trabalho com cubanos, nem com os que têm dinheiro”, diz Yanela. “Só não entendo por que os gringos são tão mal dotados”, diverte-se.
Beatriz também ri ao relatar experiências. “Turcos são brutos. Russos também, mas pagam melhor. Alemães e italianos são românticos”, diz.
Nenhuma das garotas teve clientes brasileiros.
Yoselin conta que há turistas carentes que pagam o valor de um programa apenas para ficar conversando. “Alguns dizem que só querem bater papo, mas acabam não resistindo e pedindo o resto.”
SONHO NO EXTERIOR
Todas as meninas ouvidas pela reportagem dizem que continuarão no ramo até realizar o sonho de sair de Cuba.
Beatriz já tirou passaporte e pedirá visto no consulado da Itália sem dizer que seu plano é fazer programas em Milão até arranjar marido.
“Eu sei que a Europa é dura e que muitas garotas são obrigadas a trabalhar em prostíbulo, mas tenho propósito na vida, que é ter casa e fundar família.”