TRÁFICO DE PESSOAS: UM TRISTE CAPÍTULO DA NOSSA HISTÓRIA

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A novela Salve Jorge, da Globo, trouxe ao conhecimento popular e, conseqüentemente, à discussão político-social, a questão do tráfico de pessoas que, para muitos, trata-se de situação nova, se observada apenas pela ótica da traficância para fins de prostituição, mas, na verdade, tem origem secular. Se dermos um breve passeio pela história universal vamos encontrar situações alarmantes de ofensas aos direitos humanos, com destaque expressivo para o tráfico de pessoas, o que nos remete para o degradante período em que havia o tráfico de negros africanos para escravização e que atualmente se notabiliza, especialmente, pelo trafico de mulheres e crianças.
 
Para o professor de Direitos Humanos, Ricardo Castilho, Pós-Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, em abordagem sobre o “Tráfico de Pessoas”, na edição de março/2013, do Jornal Carta Forense, o tráfico de seres humanos significa o deslocamento involuntário de pessoas dentro de um país ou fora dele. E nos termos do “Protocolo” firmado entre países integrantes da ONU (Organização das Nações Unidas), considera-se “tráfico de pessoas” o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, quando isso decorre de ameaça, uso de força ou de outras formas que possam envolver coação, rapto, fraude, engano e abuso de autoridade, incluindo-se o aproveitamento da situação de vulnerabilidade da vítima pela entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obtenção de consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, para fins de exploração.
 
Essa questão tem se mostrado bastante preocupante para a Organização das Nações Unidas a ponto de merecer atenção especial na ordem jurídica internacional, resultando na formalização do “Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças”. Sabe-se que não é de hoje que existem os instrumentos internacionais que dispõem de normas e medidas práticas para combater a exploração de pessoas, mas, é certo que é nova a existência de um instrumento universal focado especificamente nos aspectos relativos ao tráfico de pessoas, a exemplo do “Protocolo das Nações Unidas”, já referenciado e que o Brasil adotou em Nova York, há quase 13 anos atrás, isto é, desde 15 de novembro do ano 2000, mas que só veio regulamentar há 9 anos, em março de 2004, pelo Decreto nº 5.017.
 
O festejado Damásio de Jesus, abordando o “Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças” (Edição de março/2013, do Jornal Carta Forense) deixa bem claro que o Brasil é um dos principais países envolvidos nessa prática, que, mesmo sem estatísticas mundiais recentes, assusta e estarrece pelos dados fornecidos pela Fundação Helsinque de Direitos Humanos, que aponta, somente no âmbito da União Européia, a existência de 75 mil mulheres brasileiras vivendo do mercado sexual.
 
E aqui no Brasil, o tráfico de seres humanos está direcionado à exploração sexual de mulheres e meninas, adoção internacional ilegal, turismo sexual e trabalho forçado, sendo essas práticas admitidas como uma crua realidade dentro dos limites territoriais do país, destacando-se como rotas mais expressivas com ramificações em muitos países, os estados de Goiás, Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Bahia, Tocantins, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Ceará, tendo como principais países de destino mais freqüentes das vítimas de tráfico, Espanha, Alemanha, Suiça, Israel, Paraguai, Holanda, Japão, Portugal e França.
 
Em termos de mundo, o cenário é extremamente estarrecedor, conforme revelam estimativas da ONU, do Departamento de Estado dos Estados Unidos e de Organizações Internacionais da Sociedade Civil, assinalando que o tráfico de seres humanos supera a casa dos 2 (dois) milhões de pessoas, em sua grande maioria mulheres e crianças, provenientes, em grande parte, de países do chamado Terceiro Mundo (Ásia, África, América do Sul e Leste Europeu) e são encaminhadas, preferencialmente para os países desenvolvidos (Estados Unidos, Europa Ocidental, Israel e Japão), onde são submetidas à exploração sexual, a condições similares à escravidão e trabalho forçado.
 
Na América Latina, o destaque fica para o Brasil na contribuição para o tráfico internacional, com milhares de mulheres brasileiras traficadas para a Europa, segundo estimativas, envolvendo não apenas a exploração sexual, mas, também, as suspeitas relativas à extração de órgãos, que, apesar de não estar claramente comprovado, dá sinais de uma real dimensão do problema, notando-se que vários países tem envidado esforços no sentido de ter uma visão mais nítida do problema.
 
Mesmo tendo aderido ao “Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças”, o Brasil ainda não conta com legislação específica sobre o tema, como ressalta Damásio de Jesus, lembrando que algumas formas de exploração de pessoas estão contempladas na legislação penal brasileira, o que permite ter uma maior visibilidade pública do problema, o que levou o Brasil a ser anfitrião da Primira Conferência Internacional sobre o Tráfico de Seres Humanos, no ano 2000, numa iniciativa do Ministério da Justiça e do escritório local do ODCCP (Escritório da ONU para o Controle de Drogas e Prevenção do Crime).
 
Segundo estimativas do ODCCP o tráfico de pessoas movimenta, anualmente, no mundo, em torno de 12 bilhões de dólares, superando o movimento de tráfico de drogas, porque o “custo do crime (de tráfico de pessoas), ao contrário do tráfico de drogas e de armas, que impõem a compra dos objetos materiais para revenda, no tráfico de pessoas a ‘aquisição’ de uma vítima somente requer a compra de uma passagem de avião”.
 
 
Nesse contexto mundial, o Brasil é apontado em relatórios comofonte de homens, mulheres, meninos e meninas para prostituição forçada no país e no exterior e trabalhos forçados” em solo nacional, reconhecendo-se, entretanto, os “grandes esforços” que o país presta às vítimas de tráfico sexual, conforme reportagem publicada no jornal O Estado de São Paulo, edição de 15.6.2010, o que, entretanto ainda é insuficiente para minorar a situação inquietante que o problema tem provocado em todo o país, contribuindo para a estarrecedora estimativa de 12,3 milhões de vítimas de trabalho e prostituição forçados no mundo.
 
Os Estados Unidos já estão adotando medidas práticas de combate ao tráfico de pessoas e estão desenvolvendo campanhas de âmbito mundial para que sejam adotadas medidas eficazes de combate a esse crime, entre elas, o rigor na emissão de passaportes, melhoria na qualidade desses documentos para evitar fraudes, entre outras medidas sócio-educativas, que poderão evitar a triste realidade existente no mundo, especialmente no Brasil, que expõe a triste realidade de existência de 241 rotas de tráfico no País, sendo 110 relacionadas ao tráfico interno e 131 ao tráfico internacional.
 
Recentemente testemunhamos pelos meios de comunicação, a benéfica ação da polícia federal, realizada na cidade de Altamira (PA), no sentido de reverter essa triste realidade, quando foram liberadas 16 vítimas (uma delas menor de idade) que estavam sujeitas à exploração sexual nas proximidades da construção da Usina de Belo Monte. Evidentemente, ainda é muito pouco para o enfrentamento do problema que se mostra de expressiva magnitude, mas, como adverte Ricardo Castilho, espera-se que todas as medidas e esforços que estão sendo adotados “representem uma luz no sentido da superação definitiva deste triste capítulo de nossa história”.
 
 
 
*Maraísa Santana é advogada, integrante do Escritório SANTANA ADVOCACIA, com unidades em Senhor do Bonfim (Ba) e Salvador (Ba)
 

Conteúdos do blog

As publicações deste blog trazem conteúdos institucionais da Pastoral da Mulher – Unidade da Rede Oblata Brasil, bem como reflexões autorais e também compartilhadas de terceiros sobre o tema prostituição, vulnerabilidade social, direitos humanos, saúde da mulher, gênero e raça, dentre outros assuntos relacionados. E, ainda que o Instituto das Irmãs Oblatas no Brasil não se identifique necessariamente com as opiniões e posicionamentos dos conteúdos de terceiros, valorizamos uma reflexão abrangente a partir de diferentes pontos de vista. A Instituição busca compreender a prostituição a partir de diferentes áreas do conhecimento, trazendo à tona temas como o estigma e a violência contra as mulheres no âmbito prostitucional. Inspiradas pela Espiritualidade Cristã Libertadora, nos sentimos chamadas a habitar lugares e realidades emergentes de prostituição e tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, onde se faz necessária a presença Oblata; e isso nos desafia a deslocar-nos em direção às fronteiras geográficas, existenciais e virtuais. 
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