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Nesta quinta-feira, 25 de setembro, será julgado o mentor do estupro coletivo ocorrido na cidade de Queimadas, Estado da Paraíba, Eduardo dos Santos Pereira. Há dois anos e sete meses, os paraibanos e paraibanas se viram diante de um crime de extrema violência contra as mulheres do agreste do Estado. O crime aconteceu no dia 12 de fevereiro de 2012. Em pleno carnaval, cinco mulheres foram atraídas para um aniversário, que se transformou numa cena de crime bárbaro, com o estupro e assassinato de duas mulheres, Isabela Pajuçara, de 27 anos, e Michelle Domingos, 29. O crime teria sido minuciosamente planejado por 10 homens, entre eles três menores de idade.
Eduardo dos Santos Pereira, mentor dos crimes, vai a júri popular |
O crime teria sido “oferecido” por Eduardo dos Santos Pereira, ex-cunhado de uma das mulheres assassinadas, a seu irmão Luciano dos Santos Pereira, e planejado com pelo menos uma semana de antecedência, havendo o conhecimento de todos os envolvidos. Como num típico enredo de filme de terror, foram compradas cordas, fitas adesivas, máscaras, entre outros acessórios, para a tortura e destruição física das mulheres.
Diante da realização do julgamento, organizações feministas e de mulheres, além de familiares das vítimas, se mobilizam para exigirem justiça pelo crime hediondo, que refletiria o machismo e a misoginia que ainda resistem na sociedade brasileira. Além da manifestação no Fórum Criminal de João Pessoa, capital do Estado, as mulheres e familiares pedem que todas e todos utilizem as redes sociais dizendo #somostodasetodosmulheresdequeimadas.
“Pedir Justiça parece ser insuficiente perto da dimensão de desumanidade e dos detalhes frios, cruéis e selvagens que envolveram este dia de violência”, declara Lourdes Meira, militante da União Brasileira de Mulheres.
Muita pressão foi realizada pelos movimentos pedindo justiça. A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher do Congresso Nacional visitou a Paraíba e diagnosticou a situação de vulnerabilidade das mulheres em Queimadas e seu entorno. “Como podem tratar mulheres como objetos dessa maneira?”, diz, indignada, Ana Laura Vilela, militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) da Paraíba.
“Pelo machismo, pela injustiça cometida, pela maldade, pela covardia, por cada parte de seus corpos que foram destruídos até a última gota de sangue derramada, eu clamo por justiça!”, desabafa Isânia Monteiro, irmã de Isabela Pajuçara, uma das mulheres assassinadas.
Movimentos de mulheres e familiares se mobilizam para exigir punição dos envolvidos |
No dia 13 de junho deste ano, foi informado que o júri popular do mentor do crime e do assassinato das duas vítimas, Eduardo dos Santos Pereira, foi transferido para a comarca de João Pessoa. Esta era uma das principais reivindicações dos movimentos de mulheres que acompanham o caso, por compreenderem que isso evitaria interferência nos rumos do julgamento por causa das relações familiares, políticas e socioeconômicas que os acusados mantêm na região. Eduardo está sendo acusado de duplo homicídio qualificado, estupro, porte ilegal de arma, corrupção de menores, formação de quadrilha e cárcere privado.
Desde que a Marcha Mundial das Mulheres começou atuar no caso – há dois anos e meio – verificam-se relatos constantes da cultura de violência combinada com silêncio e medo em Queimadas. “Apesar da pouca atenção da imprensa, os movimentos feministas e de mulheres têm sido fundamentais para dar visibilidade ao caso, pressionar e demonstrar a indignação diante da violência contra as mulheres, fato reconhecido pelas famílias das vítimas”, afirma a MMM/PB.
Ainda em 2012, seis dos autores do crime foram condenados por estupro, cárcere privado e formação de quadrilha, a uma pena que somada corresponde a 186 anos de prisão. O último réu a ser julgado é Eduardo, acusado de ter sido o idealizador do crime e executor das vítimas assassinadas.
Quanto aos demais envolvidos, em sentença dada no dia 23 de outubro de 2012, pela juíza Flávia Baptista Rocha, da Comarca de Queimadas, os seis sentenciados foram condenados. Luciano dos Santos Pereira a 44 anos de prisão; Luan Barbosa Casimiro, a 27 anos; Fernando França Silva Junior, a 30 anos; Jacó Sousa, a 30 anos; José Jardel Souza Araújo, a 27 anos; e Diego Domingos, a 26 anos e seis meses. Todos estão cumprindo pena em regime fechado no presídio de Segurança Máxima PB1. A diferenciação nas penas deve-se ao fato de que as condutas criminosas de cada um dos autores foram consideradas separadamente. No caso dos menores, a medida socioeducativa em regime de internação pode durar até três anos e está sendo cumprida no Lar do Garoto, em Lagoa Seca, condição que pode ser reavaliada dependendo do comportamento deles.
Caso Ana Alice
O assassinato da estudante Ana Alice Valentim ainda aguarda julgamento |
Ainda durante o desenrolar do caso de Queimadas, aconteceu o assassinato de Ana Alice de Macedo Valentim – adolescente de 16 anos, estuprada e assassinada em 19 de setembro de 2012 por Leônio Barbosa de Arruda. Segundo informações dos moradores da cidade, é comum as mulheres serem estupradas, mortas ou acordarem de madrugada na rua, sem saberem como foram parar lá. Portanto, o que, em princípio, seria um crime localizado, parece ter trazido à tona a conjuntura vivida pelas mulheres da região. “A família das vítimas, até hoje, é tratada como culpada; é, frequentemente, agredida nas ruas e pelas redes sociais por parte da população queimadense, que inverte o papel das vítimas pelas dos agressores”, denuncia Íria Machado, da Marcha Mundial das Mulheres da Paraíba.
Ana Alice era militante do Polo da Borborema e, no dia 19 de setembro de 2012, quando voltava da escola, foi sequestrada e barbaramente violentada. Seu corpo foi enterrado na Zona Rural do município de Caturité, só encontrado 50 dias depois. Desde o desaparecimento da jovem, foi formado o Comitê de Solidariedade e pelo Fim da Violência Contra a Mulher Ana Alice, composto por mais de 30 organizações rurais e urbanas. Foi por meio da pressão e da mobilização criada em torno do Comitê, que o caso pôde ser investigado e solucionado, com a prisão dos envolvidos.
Uma nova mobilização para exigir justiça pelo crime será realizada no próximo dia 07 de novembro, data do sepultamento de Ana Alice. A manifestação lembrará todas as mulheres vítimas de violência no Estado.
Segundo Claudionor Vital, um dos advogados da família de Ana Alice, que acompanha o caso, o processo criminal está aguardando a sentença de pronúncia por parte do juiz Antonio Gonçalves Ribeiro Junior, da 1ª Vara Mista de Queimadas, a quem cabe a condução dos processos para apuração dos crimes de competência do Tribunal do Júri. “Pelas provas existentes, estamos confiantes de que o réu seja pronunciado e submetido ao Júri Popular”, afirma o advogado.
Entre os familiares, a expectativa é de que o réu receba uma punição exemplar: “Esperamos que ele receba a pena máxima, até porque a gente precisa disso para se sentir segura e também para servir de exemplo para outros marginais. Infelizmente, o que aconteceu com Ana Alice já aconteceu, mas a gente pode evitar que aconteça com outras mulheres”, desabafa Angineide Macedo, mãe de Ana Alice.
O caso
Ana Alice foi sequestrada quando voltava para casa depois da aula. Foi estuprada e violentamente assassinada pelo vaqueiro Leônio Barbosa de Arruda, à época com 21 anos. Seu corpo foi enterrado próximo à residência do assassino, na fazenda onde ele trabalhava, zona rural de Caturité. A adolescente permaneceu desaparecida até que, nas imediações de sua comunidade, uma nova mulher foi raptada e violentada, sendo encontrada apenas no dia seguinte com marcas de esganadura, escoriações e amputação parcial da orelha direita. Ainda muito traumatizada, ela foi capaz de reconhecer o criminoso (e vizinho) e o denunciou à polícia com a ajuda do Comitê de Solidariedade Ana Alice. O assassino foi preso e confessou o crime contra a vizinha e contra Ana Alice. Confessou, inclusive, que, no crime contra Ana Alice, não agiu sozinho, teve a ajuda de um cúmplice, à época, menor de idade.
Ana Alice e a outra mulher não foram as únicas vítimas. No início de 2012, ao sair de um baile de carnaval, ele violentou uma jovem de Boqueirão. De posse de uma arma, obrigou que ela entrasse em seu carro e a estuprou. Um mês depois, após prestar depoimento do primeiro caso na delegacia desse município, tentou fazer nova vítima também em Boqueirão, agora uma adolescente de 14 anos, que teve sorte diferente, quando um amigo a libertou da tentativa de estupro.