Kim Jeong-mi, abriu um processo depois de ser maltratada durante uma batida policial | Jean Chung/The New York Times
Kim Jeong-mi, prostituta de 43 anos em Seul, diz conhecer bem a humilhação. Ela costuma cobrar dos clientes de 20 mil a 30 mil won, ou cerca de US$ 18 a US$ 27 —aproximadamente um terço do que recebem suas concorrentes mais jovens. Quando em desespero, ela chega a cobrar 10 mil won.
Mas o que aconteceu em julho de 2012 passou dos limites, diz ela. Três policiais uniformizados invadiram seu quarto enquanto ela estava com um cliente.
Nessas batidas, a polícia geralmente coleta uma camisinha usada ou outra evidência. Porém, naquela noite, diz ela, os oficiais a fizeram se vestir enquanto tiravam fotos, “sem me dar tempo para manter um mínimo de dignidade como ser humano”.
Então ela reagiu.
Contestou a multa de 500 mil won aplicada pela polícia. Com a ajuda de um grupo de defensoria, abriu um processo pedindo que o Tribunal Constitucional da Coreia do Sul derrube uma lei que, além de criminalizar a prostituição, pede que o Estado a extirpe.
Em abril, depois de dois anos de deliberação, o tribunal fez uma audiência pública que, segundo os advogados, indicou que os juízes estariam perto de uma decisão. “Eu quero que o que eu faço seja reconhecido como um trabalho, uma maneira legítima de ganhar a vida”, disse Kim.
A Coreia do Sul sempre proibiu a prostituição, estipulando multas ou pena de até um ano de prisão para as prostitutas e seus clientes, além de penas mais duras para cafetões e donos de bordel. O governo, no entanto, costumava fazer vista grossa aos bairros de prostituição.
Isso mudou depois que 14 jovens prostitutas morreram presas em seus quartos em um incêndio em 2002. Em meio à revolta pública, o governo começou uma campanha agressiva contra o comércio sexual, e um estatuto reformado entrou em vigor em 2004. Ele pedia não apenas a prevenção da prostituição, mas sua erradicação.
As batidas policiais tornaram-se mais frequentes. O número de zonas de prostituição no país caiu de 69 em 2002 para 44 em 2013, segundo o governo, e o número de mulheres que trabalhavam nessas zonas caiu de 9.100 para 5.100.
No entanto, as prostitutas e outros críticos da lei dizem que esses números não levam em conta as muitas mulheres que vendem sexo em bares, em serviços de redes sociais e por meio de apps de namoro em celulares. Estas representam um lado mais obscuro da indústria sexual, que, segundo esses críticos, está em expansão por causa das batidas policiais e deixa as mulheres mais vulneráveis a clientes abusivos, cafetões e outros.
“São mulheres que lutam para ganhar a vida apesar do estigma social. Deveríamos conduzi-las à morte ao rotulá-las de criminosas?”, perguntou Park Kyung-shin, professor de direito na Universidade da Coreia em Seul. Ele se referia à morte em novembro de uma mãe solteira de 24 anos que saltou de um quarto de motel no sexto andar para escapar de uma batida policial.
Kim trabalha no bairro de Cheongryangri, na capital coreana, uma série de becos com “vitrines” onde jovens de minissaia e salto alto podem ser observadas sentadas em banquetas sob luzes de neon. (Em outro bairro de prostituição chamado Miari, as mulheres ficam em caixas de vidro usando vestidos de noiva.)
Kim, que abandonou o colégio, passou por vários subempregos e hoje vive em um quarto de motel, promete continuar se prostituindo enquanto puder. Ela comenta que uma delegacia vigia a entrada de sua zona e que os policiais patrulham a área, mas não a fecham.
“Eles vêm e escolhem algumas mulheres infelizes para cobrar multas, como se fossem impostos”, disse Kim. “O Estado não é diferente de um cafetão.”
Fonte: Gazeta do Povo