Mulheres marginalizadas lutam contra a violência e por inclusão

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Por ocasião do Dia Internacional da Mulher, 08 de março, com atividades previstas ao longo de todo este mês, as pautas femininas têm questionado os avanços na conquista de direitos e os desafios enfrentados pelas mulheres, em diversos âmbitos. A Adital ouviu a Pastoral da Mulher Marginalizada (PMM), entidade ligada ao Setor de Pastoral Social da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que oferece apoio às mulheres em situação de prostituição, conscientizando sobre a busca pelos seus direitos e o exercício de sua cidadania.

Maria Augusta Nogueira Machado Dib, agente pastoral da PMM e psicóloga voluntária, destaca quais as principais temáticas trabalhadas pela PMM e como a escuta ativa contribui para reconfortar e fortalecer a dignidade dessas mulheres.
 
Adital: De acordo com as diretrizes da Pastoral da Mulher Marginalizada (PMM), quais têm sido as principais temáticas trabalhadas pela PMM junto às mulheres?
Maria Augusta: Além de procurar atender às demandas das mulheres sobre temas do seu interesse, que vão surgindo ao longo dos encontros semanais das agentes pastorais com elas, a PMM tem uma agenda fixa anual, em torno a temas relativos a: 1. Campanha da Fraternidade; 2. questões sobre legalização da prostituição; 3. questões sobre o aborto; 4. questões de gênero e mercado de trabalho; 5. exploração sexual e tráfico de pessoas; 6. temas relativos às datas a serem celebradas, tais como o Dia da Mulher, Dia das Mães, Dia do Trabalho, Dia do Combate à Violência contra a Mulher, e outras; 7. fortalecimento das relações afetivas, importância da autoestima, desenvolvimento dos seus talentos e realização pessoal; 8. exercício da cidadania e direitos humanos.
 
Adital: No atual contexto, quais os principais desafios da PMM em suas ações?
Maria Augusta: Algumas das grandes dificuldades são perenes, como conquista de agentes pastorais e técnicos voluntários, apoio e financiamento para os projetos com as mulheres, e internos à própria PMM.
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Segundo Maria Augusta, agente pastoral da PMM, a espiritualidade é fundamental para as mulheres marginalizadas, que se sentem acolhidas com celebrações religiosas.
 
Adital: Sobre a situação da mulher marginalizada, no Brasil, como a PMM avalia os principais problemas enfrentados por essas mulheres (violência, uso de drogas, prostituição, trabalho e emprego, gravidez na adolescência, entre outros)? Há outras problemáticas que PMM queira citar?
Maria Augusta: A realidade da mulher marginalizada acompanhada pela PMM: em situação de prostituição, pobre, sem estudo, maioria afrodescendente, maioria sem apoio de um companheiro e/ou dos pais de seus filhos, é triste, séria, grave quase sem possibilidade de saída, mesmo que elas queiram e até procurem a PMM para isto. Se estão envolvidas com drogas, e o uso do álcool quase que faz parte da prática da prostituição em locais fechados, a dificuldade é maior ainda. Muitas vezes, a PMM se limita a ser presença profética, solidária, escuta ativa, acolhida sem julgamento, o que, para as mulheres, muito já significa, e elas se sentem reconfortadas e fortificadas na sua dignidade tão aviltada. Algumas das políticas públicas brasileiras, nos últimos 14 anos, têm atingido algumas poucas mulheres que fazem parte da realidade da PMM e, quando assim acontece, elas se sentem importantes, bem tratadas e buscam mais estudo e capacitações profissionais.
 
Adital: Como a PMM trabalha a questão da espiritualidade junto às mulheres marginalizadas?
Maria Augusta: Sendo a PMM uma pastoral social da Igreja Católica, a questão da espiritualidade é fundamental, e elas gostam que assim seja. Sentem-se confortáveis, por serem acolhidas também com celebrações e festas em datas religiosas, com a presença de religiosas e religiosos, padres, bispos. Escutam e participam com atenção das reflexões sobre a Palavra, leituras do Evangelho, reflexões sobre a Mulher Maria, e outras mulheres bíblicas. Dão valor à dimensão espiritual da existência. Correspondem, ativa e alegremente, às dinâmicas oferecidas pela PMM, nessas ocasiões.
 
Adital: A PMM trabalha com a problemática das mulheres transexuais? De que forma? Como a PMM vê a situação desse segmento?
Maria Augusta: A PMM não tem pernas para ir além de atender às mulheres, muito embora não feche suas portas a homossexuais e transexuais. Não tem trabalhos específicos para estas necessidades.
 
Adital: O que a PMM preparou para esta semana do dia 08 de março, em todo o país?
Maria Augusta: A PMM sempre participa ativamente do Dia Internacional da Mulher, no próprio 08 de março, se engajando em algo público, algumas vezes, promovendo celebrações dentro dos seus próprios espaços, e em outros dias de março. Em marchas, em atividades promovidas pelas Arquidioceses das várias cidades do Brasil, aonde possui equipes, e/ou em atividades das Secretarias Municipais, quando é convidada. Festas/lanches com as mulheres, panfletagens críticas sobre a saúde da mulher, contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes, contra a violência à mulher.
Adital: Como a entidade vem trabalhando a questão da saúde da mulher, com vistas à crise do vírus Zika/microcefalia?
Maria Augusta: Falando sobre o tema, quer nas reuniões na PMM, como nos locais de visitas, distribuindo panfletos que recebemos dos órgãos de saúde, chamando pessoas de fora para falarem sobre os assuntos em destaque, como, por exemplo, este agora.
 
Adital: E sobre a problemática do aborto, que atinge principalmente as mulheres pobres, qual a abordagem da PMM?
Maria Augusta: Talvez seja o tema mais delicado e difícil para a PMM, dado que somos uma pastoral social da Igreja Católica. Não nos posicionamos em favor do aborto, mas jamais contra a mulher que o pratica. Entre elas é nítido que estão divididas entre ser a favor e ser contra. Elas se ajudam, se apoiam, às vezes, uma fica com a criança de outra que queria abortar, mas, por algum motivo, não o faz.
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Segundo Elizangela Matos, coordenadora nacional da PMM, existe um perfil das mulheres marginalizadas no Brasil – 85% são negras, pobres, nordestinas e que já sofreram algum tipo de violência.
 
Espaços de Liderança
Elizangela Matos, coordenadora nacional da PMM, relata à Adital os desafios à frente de uma Pastoral que defende os direitos femininos. Analisando os espaços de inclusão das mulheres nas lideranças dos movimentos sociais, ela explica que, antes, as mulheres atuavam como voluntárias e, atualmente, são representantes à frente de alguns grupos.
 
No tocante à violência, Elizangela cita que as principais formas identificadas pela Pastoral são a violência de gênero, abuso sexual, violência doméstica, psicológica e econômica. Na luta pelas garantias de direito e posicionamentos frente às questões de gênero, a coordenadora acredita que, de alguma forma, existe o diálogo dentro dos movimentos femininos e feministas, para unificar as ações.
 
Adital: Quais são, hoje, os desafios à frente de uma Pastoral que defende os direitos femininos?
Elizangela Matos: A Pastoral da Mulher Marginalizada é uma pastoral de fronteira, atuando nos seus três eixos de ação: tráfico de mulheres para exploração sexual, enfrentamento e combate ao abuso sexual infantil e trabalho escravo, e mulheres em situação de prostituição. Vivemos em um contexto de mundo globalizado, onde os valores se confundem e se misturam a cada dia, e um dos nossos desafios é como lidar com mudanças de paradigma estrutural. Desde a sua criação, a PMM tem como princípio ser presença, atuando nas diversas situações apresentadas na vida das mulheres no contexto social, em situação de prostituição, oferecendo apoio, incentivo, conscientizando sempre na busca de seus direitos e exercício de sua cidadania.
 
A missão da Pastoral compreende a construção de relações humanas e humanizadoras, que se apresentam nos atendimentos individuais e grupais, encaminhamentos para diversas áreas, de ordem psicológica, jurídica e profissional, com relacionamento de igualdade e respeito para com as mulheres que atendemos. Trabalhamos as relações de gênero através de encontros temáticos, palestras, seminários e parcerias com as redes.
 
Adital: As mulheres têm conquistado espaço de inclusão nas lideranças dos movimentos sociais? Existe a presença do machismo e patriarcalismo dentro dos movimentos?
Elizangela: Percebe-se que houve um avanço considerável das lutas das mulheres por estes espaços de inclusão. Vemos que as mulheres, talvez por serem detentoras de tantas atribuições, como trabalhadoras, ocupantes de cargos em várias áreas, mães de família, esposas, mulheres independentes, cada vez mais provedoras do lar, também encontram tempo para se dedicarem a uma causa.Antes, a atuação das mulheres era como voluntárias, atualmente, são representantes de alguns movimentos.
 
Sim, é sabido através da construção da história brasileira, que o patriarcado sempre existiu. Muito embora com o advento, com a abertura e facilidade de acesso aos meios de comunicação, é possível uma ‘diminuição’ considerável desse contexto patriarcal/ machista.
Adital Quais seriam, hoje, as mulheres marginalizadas na sociedade brasileira? Esse cenário mudou desde o começo de atuação da Pastoral?
Elizangela: Existe um perfil – 85% são negras, pobres, nordestinas e que já sofreram algum tipo de violência, seja ela sexual ou doméstica, psicológica e agressão verbal. Percebe-se que existe uma longa caminhada ainda a percorrer, pois são sintomas estruturais, que dependem de políticas publicas e de conscientização da sociedade como um todo.
 
Adital: No acompanhamento da prostituição feminina, o que mudou ao longo dos anos? Como avalia o atual contexto brasileiro nesse tema?
Elizangela: Partimos do pressuposto de que a sociedade brasileira aponta a prostituição como uma “escolha”, para ganhar “dinheiro fácil”. Isto não é uma verdade absoluta. Considerando a prostituição como uma das expressões da questão social incorporada nos moldes da sociedade capitalista, que visa ao lucro de uma classe sobre outra, desde o século passado até os atuais, não houve uma mudança significativa no panorama geral. São as mulheres negras, pobres, em sua maioria nordestina, sempre as vitimas deste mal da sociedade.
 
Adital: Como avalia as políticas públicas em torno da prostituição feminina (proteção contra a violência, garantia da saúde reprodutiva, prevenção de DSTs [doenças sexualmente transmissíveis], combate ao preconceito, acesso a serviços públicos)?
Elizangela: Percebe-se que não existe um trabalho de pronto atendimento integral nas UBs [unidades básicas de saúde], CREAS, CRAS [Centros de Referência em Assistência Social], Conselhos Municipais, Estaduais e Federal, no que se refere às mulheres citadas. Se há medidas protetivas, falta fiscalização do cumprimento, por parte do Estado.
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A coordenadora Elizangela Matos explica que houve um avanço considerável nas lutas das mulheres por espaços de inclusão e, hoje, existem representantes à frente de alguns movimentos.
Adital: Com vistas ao empoderamento feminino, que questões são discutidas, hoje? Que iniciativas percebemos neste sentido?
Elizangela: Tem se efetivado, nas conferências, seminários e outros encontros, atividades e projetos de organizações, no Brasil e no mundo, no fortalecimento da relação da mulher com o poder econômico, dando- lhes mais autonomia, e na busca por igualdade de salários, maior participação na política. Em tantas outras iniciativas em prol do respeito ao ser humano e à dignidade, temos que exaltar e apoiar essas iniciativas.
 
Adital: Na relação consigo mesma, de que forma a mulher tem se percebido? A autoimagem e a busca por direitos têm mudado?
Elizangela: Sim, através dos nossos trabalhos formativos e informativos, percebe-se nas mulheres em situação de prostituição atendidas pela Pastoral uma maior sensibilidade para com os que sofrem; solidariedade concreta; em situação de emergência e carência; profetismo, postura crítica no combate à injustiça; espiritualidade libertadora de dois clamores: o dos oprimidos e o de Deus, que nos chama a colaborar na construção de um mundo melhor.
 
Adital: Dentro da Igreja, existiria a mulher marginalizada?
Elizangela: Jesus supera os preconceitos sociais da época, quando dialoga com uma mulher considerada pecadora junto ao poço. Mais do que a convivência e o aprendizado, Jesus é amado por muitas mulheres. Elas vão, aos poucos, revelando ao mestre que o cotidiano da vida é feito de relações de carinho, afeto, respeito, igualdade e cumplicidade.
 
Adital: Que papel o Papa Francisco tem exercido na inclusão da mulher dentro da estrutura eclesial católica?
Elizangela: Foram vários posicionamentos de apoio e de inclusão da mulher no seio estrutural da nossa igreja. E suas chamadas para uma reflexão mais inclusiva dando ênfase à importância do papel da mulher na Igreja.
 
Adital: Deseja acrescentar algo mais?
Elizangela: Que o mistério de cada pessoa seja sempre um convite a contemplar a presença de Deus e a respeitar o chão que vamos pisar. (pois o chão é sagrado).
 

Conteúdos do blog

As publicações deste blog trazem conteúdos institucionais da Pastoral da Mulher – Unidade da Rede Oblata Brasil, bem como reflexões autorais e também compartilhadas de terceiros sobre o tema prostituição, vulnerabilidade social, direitos humanos, saúde da mulher, gênero e raça, dentre outros assuntos relacionados. E, ainda que o Instituto das Irmãs Oblatas no Brasil não se identifique necessariamente com as opiniões e posicionamentos dos conteúdos de terceiros, valorizamos uma reflexão abrangente a partir de diferentes pontos de vista. A Instituição busca compreender a prostituição a partir de diferentes áreas do conhecimento, trazendo à tona temas como o estigma e a violência contra as mulheres no âmbito prostitucional. Inspiradas pela Espiritualidade Cristã Libertadora, nos sentimos chamadas a habitar lugares e realidades emergentes de prostituição e tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, onde se faz necessária a presença Oblata; e isso nos desafia a deslocar-nos em direção às fronteiras geográficas, existenciais e virtuais. 
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