A regulamentação estrita dos prostíbulos é vista como um sistema eficaz, na medida em que permite evitar o tráfico de mulheres e zelar por sua saúde e segurança. Mas a regulamentação reforçada fragilizou recentemente a situação das prostitutas mais precárias.
No número 4 da rua Rodo, a porta de vidro fica aberta o dia inteiro. O prédio é cinza, austero e, visto da pequena rua situada a algumas centenas de metros da Universidade de Genebra, nada o distingue dos prédios de concreto do bairro. No primeiro andar, há duas cadeiras brancas e um cinzeiro com duas bitucas perdidas. A porta se entreabre e um homem de óculos, terno e uma valise, sai com um passo tranquilo, sorridente. Uma esplêndida jovem loira, de nariz fino e calcinha de seda, lhe faz um sinal carinhoso com a mão. Estamos no Geneva Girls, uma das “casas de massagem” mais frequentadas da cidade. Em Genebra, as autoridades chamam de “casa de massagem” um apartamento onde atuem pelo menos duas prostitutas.
Desde o século 16, que foi o da Reforma, Genebra mudou bastante. Calvino proibia as festas, os divertimentos, as danças e combatia fervorosamente a libertinagem em suas pregações. E antes dele, a partir de 1536, as meretrizes haviam sido perseguidas pelo conselho da cidade podendo ser punidas com chibatadas. Genebra nunca teve tantos prostíbulos quanto hoje. A polícia registrava 144 deles no final de 2015. Esse número dobrou desde 2010, e Genebra possui mais lupanares do que farmácias, como levantou em janeiro o programa da Radio Télévision suíça “Mise au point”.
Segundo a associação Aspasie, que defende os direitos dos trabalhadores do sexo no cantão, este abriga entre 900 e 1.100 pessoas que se prostituem, sendo 10% homens. Na Suíça, a lei federal autoriza o comércio do sexo, portanto é em total legalidade que Kitty, que possui um “peito natural”, fisga seu cliente pela internet e o recebe na rua Rodo, assim como Carla, “iniciante” e “garganta profunda”. A gerente do Geneva Girls, que é descrita no meio sem ironia como uma “alcoviteira”, não está. Mais de uma centena de garotas trabalhariam em seus estabelecimentos, sendo a maioria delas húngaras.
Uma rotatividade incessante
Agnès Földhazi se mostra cautelosa quanto à questão. Essa socióloga, professora da Escola Superior de Trabalho Social, ressalta que a nova lei cantonal que entrou em vigor em 2010, obrigando as prostitutas a se declararem como casa de massagem quando são várias delas trabalhando em um apartamento, disparou as estatísticas.
A professora, também membro da associação Aspasie, observa que o número de trabalhadoras do sexo aumentou nitidamente em Genebra no final dos anos 2000. “Por causa da crise econômica, vimos chegar às calçadas um fluxo de mulheres vindas da Espanha, da Itália e da França, que não tinham como se sustentar e vieram tentar a sorte aqui.”
A Suíça permite que essas cidadãs da União Europeia trabalhem 90 dias por ano no local, em total legalidade, contanto que declarem à polícia. Para Agnès Földhazi, “Genebra é um hub”.
As garotas vêm em sua maior parte da Espanha, mas também de países da América Latina, e ainda da França e da Hungria. A rotatividade é incessante. A associação Aspasie observa que, às vezes, nove mulheres trabalham ao mesmo tempo em um pequeno apartamento. O fenômeno deverá se amplificar ainda mais a partir do mês de maio, quando as romenas e as búlgaras terão o direito de atuar em suas casas de massagem e não mais unicamente nas ruas.
Logo ao lado do Geneva Girls, no número 2 da rua Rodo, fica a maior casa de massagem da Suíça romanda, e também a mais famosa. Desde 2003, o Venusia exibe orgulhosamente seus 650m2, sua jacuzzi, seus 11 quartos temáticos e seu funcionamento 7 dias por semana, 24 horas por dia. Mais de 70 trabalhadoras do sexo atuam ali, sendo 80% de francesas.
Legalmente, elas são todas trabalhadoras independentes, pagam imposto sobre consumo e seus próprios impostos; mas elas pagam 30% do montante do programa ao Venusia em troca de serviços prestados, como uso do quarto, limpeza, roupa de cama etc. Os vinte minutos de sexo começam em 135 francos suíços, ou seja, 125 euros (R$ 500).
33 salões fechados em 2015
Do lado de dentro, o ar é quente e úmido. Uma bela morena circula de fio dental, uma outra dorme nua dentro do quarto “africano”. São 11h da manhã e não há clientes, então as meninas ficam à toa. Ninguém fala.
Candy acena para que a sigamos para dentro do fumódromo, um pequeno cômodo onde ficam empilhadas caixas de charutos. Muito magra em seu jeans azul claro, ela rói as unhas. Faz 72 horas que ela “não faz nada” e está preocupada.
Com a concorrência, a “madame teve de baixar os preços”. A jovem chegou da região parisiense em julho de 2015. Aos 28 anos, ela agora vem regularmente a Genebra para se prostituir, o que lhe permite obter um pouco de dinheiro para viver no sul da França, onde reside com seu “amado” e sua filha.
Quem comanda o Venusia é Lisa. Essa francesa de 45 anos mantém seu estabelecimento com punho de ferro e em total legalidade, uma vez que a legislação suíça não proíbe o proxenetismo passivo.
“Antes, um salão era como uma empresa qualquer”, ela explica. “Mas hoje, nunca estou livre de uma preocupação, pois nos pedem cada vez mais documentos. E há alguns anos tenho visto chegarem garotas cada vez mais novas: algumas delas têm só 18 anos e precisam muito de dinheiro.”
Candy era garçonete, mas ela nem cogita vender seu corpo na França, onde “os encargos são tantos que você se prostitui para o Estado”. Além disso, é muito mais perigoso.
“No Venusia, sinto-me em segurança”, ela diz. “Sempre tem alguém e, com qualquer probleminha, a polícia chega em três minutos”.
Quando ela se candidatou, preencheu uma ficha onde descrevia o que aceitava fazer. Ela não se sente obrigada a fazer o resto. Várias vezes ao ano a polícia vai até o local, para verificar se está tudo dentro das regras.
Em Genebra, os controles são rígidos. Em 2015, a polícia fechou 33 salões de massagem que não estavam dentro das normas. Em toda parte da cidade se escondem bordéis muito discretos, instalados em pequenos apartamentos.
A dez minutos de caminhada do Venusia, perto do Museu do Relógio Patek Philippe, por exemplo, você encontra o salão das “Tentadoras”, na rua dos Maraîchers. É preciso subir até o terceiro andar para encontrar a porta certa. Uma magnífica jovem espanhola, de rosto empoado, abre a porta de calcinha e responde que não pode falar “para não ter problemas com os vizinhos.”
Isso porque o descontentamento vem crescendo no prédio. A vizinha de baixo, Teresa Dinis, uma mãe de família que sai cedo para trabalhar de manhã, não dorme há meses por causa do barulho.
Cansada de reclamar sem que nada fosse feito, ela começou um abaixo-assinado que encaminhou à administração do cantão, onde ela descreve detalhadamente as idas e vindas dos clientes a qualquer hora do dia, aqueles que tocam em sua campainha por se enganarem de porta, o tráfico de drogas, os gritos e as brigas.
“O incômodo é mais sonoro do que moral”, declarou a comissão das petições, que estuda o caso. Quando acorda, seu filho diz que “os vizinhos andaram muito a cavalo”.
Vários abaixo-assinados como o de Teresa Dinis foram lançados. Um deputado se colocou como intermediário junto ao Parlamento: Jean-Marie Voumard, representante do Movimento Cidadão Genebrino, um partido populista local que ficou conhecido por seus discursos contra os trabalhadores fronteiriços. Esse ex-policial não é um abolicionista, pelo contrário.
“Sou a favor da liberdade do comércio, e isso também vale para o comércio do sexo”, ele afirma. “Mas acho que isso deve ser declarado como tal.”
Ele é o responsável por um projeto de lei que obrigaria as prostitutas, assim como os dentistas ou psicólogos, a terem um contrato de aluguel comercial, e não de habitação. Mas ao obrigar essas mulheres a anunciarem aos seus senhorios a natureza de suas atividades, muitas provavelmente acabariam indo parar na rua…
“Como um pedaço de carne”
Em Genebra, as autoridades fazem um trabalho considerável sobre a prostituição. Associações, representantes, policiais e assistentes sociais se reúnem pelo menos duas vezes por ano e, às vezes, a legislação é adaptada.
A regulamentação estrita dos prostíbulos é vista como um sistema eficaz, na medida em que permite evitar o tráfico de mulheres e zelar por sua saúde e segurança. Mas a regulamentação reforçada fragilizou recentemente a situação das prostitutas mais precárias, explica Michel Félix, da associação Aspasie.
Primeiramente, aquelas que não reuniam os critérios exigidos para abrir oficialmente um salão porque tinham dívidas, como muitas vezes é o caso, tiveram de deixar o apartamento onde exerciam as atividades em várias pessoas. Tendo perdido seu local de trabalho e de moradia, elas se viram obrigadas a alugar um quarto a um preço abusivo, sozinhas e sem proteção.
E se elas não podem pagar esse aluguel, elas precisam procurar os salões que já existem, que cresceram e reforçaram seu domínio sobre o mercado genebrino do sexo. Isso quando são aceitas.
“Certas prostitutas perderam sua autonomia dependendo mais dos donos dos salões”, diz também Michel Félix.
Estando em maior número a cobiçarem um mesmo lugar de trabalho, elas são tentadas a aceitar práticas de risco. E as comissões exigidas são proibitivas, algumas delas tendo que pagar até 40% do programa, e outras pagando 600 francos (R$ 2.200) por semana pelo quarto.
No bairro de Pâquis, os “sex centers” e suas vitrines na rua custam às mulheres 150 francos por dia ou 138 euros (R$ 552).
Nos oito anos desde que ela deixou a Espanha para se prostituir em Genebra, “MG” exerceu sua profissão em três casas de massagem diferentes. Essa experiência não lhe deixou boas lembranças. Entre outras coisas, ela teve seu dinheiro roubado e às vezes foi obrigada a baixar suas tarifas para segurar seu lugar e se diferenciar, quando outras “ofereciam sexo anal de brinde”!
“Eu era ingênua, me deixei manipular pelos donos dos salões”, afirma em francês essa morena de sobrancelhas desenhadas a lápis. “É uma profissão difícil do ponto de vista psicológico e físico. Mas tenho uma autoestima que não quero sacrificar”.
No entanto, às vezes ela se sente “como um pedaço de carne.”
Então desde 2010 ela vem prestando seus “serviços” sozinha, em uma pequena quitinete. Sua clientela é composta sobretudo por “habitués” que a visitam quando estão de passagem por Genebra.
Essa mulher na faixa dos quarenta anos parece ter encontrado um equilíbrio na vida. “E se um dia eu não tiver vontade de trabalhar, fico em casa”. No futuro, “MG” se vê como patroa. Com suas longas unhas vermelhas perfeitas, ela diz ter um sonho: abrir sua própria casa de massagem.
Fonte : Noticias UOL