Orquídea – “Cachorro ainda tem dono e eu fui jogada lá como uma coisa qualquer…”

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  • 52 anos;
  • Mãe dedicada;
  • Bisavó;
  • Vivenciou a prostituição quando jovem, obrigada pela mãe;
  • Trabalha como doméstica;
  • Gosta de plantas;
  • Busca na Pastoral o cuidado com sua saúde emocional através das sessões de auriculoterapia;
  • Incentiva outras mulheres a se fortalecerem e a buscarem algo melhor;
  • Sempre que chega à nossa sede traz consigo muitos abraços.
  • Quando bem jovem você foi da época da Nova Brasília aqui em Juazeiro. Falar em prostituição referindo-se àquela época, vem o que em mente?
“Vem o abandono da família para a maioria né, digo isso porque tem umas que gostam de ser mulher de programa. Tem muitas que querem que assinem a carteira como prostituta e eu não acho que seja uma profissão. ”


  • Por que você acha que prostituição não é profissão?
“Porque eu acho que prostituição não é bom pra ninguém, por que como é que você vai ficar com uma pessoa que você não gosta? Sexo foi feito pra fazer a dois, quando você se casa ou você gosta de alguém. Sexo não é pra se fazer com qualquer pessoa. Você pega uma pessoa e não sabe se ela tá doente, ela é fedorenta e você se submete a sair com esse tipo de pessoa pra ganhar dinheiro. ”

  • O que mais lhe marcou naquela época?
“Me marcou o abandono da minha família, de não ligarem pra mim. Fui jogada lá como se fosse um cachorro. Nem isso, cachorro ainda tem dono e eu fui jogada lá como uma coisa qualquer, sei lá o que… fui pra lá sem escolha, sem opção, pois eu não tinha pra onde ir, eu não sabia quase nada. Eu não fui criada aqui, fui criada em São Paulo e quando vim pra cá minha mãe achou que não devia me aceitar dentro de casa porque eu já tinha me perdido. Disse que lugar de puta era no brega. Foi isso que ela fez comigo: pegou minha mala e jogou na porta do brega. É tanto quem nem transar com os homens eu queria nos primeiros dias. Quando eles me chamavam eu corria e pulava lá fora. Isso deu até confusão. ”

  • O que você considera como o seu “pulo do gato”, como foi sua saída? Como você decidiu sair e mudar de vida?
“Eu fui ficando mais madura e conheci a Pastoral, conheci as irmãs. Naquela época elas faziam visita quase todos os dias. As mulheres que estavam doentes e não tinha condições, elas davam remédio. Aquelas que queriam sair dali e não tinham condições, elas alugavam uma casa e botavam as mulheres dentro. Depois as irmãs começaram a dar cursos, tinha a creche das crianças e tinha curso de calcinhas e fraldas. O que me acordou foi o conhecimento, foi a ajuda das irmãs, me colocaram pra fazer o curso e conversando né eu fui conhecendo que alí não era um lugar pra mim, que eu não gostava daquela vida. Que eu estava ali porque não tive escolha. Aí eu conheci uma pessoa, eu já mais esclarecida, pois as irmãs tinham me ajudado, a pessoa quis me dar a mão e é claro que eu não pensei duas vezes, dei o pulo do gato mesmo e caí fora. ”

  • E o sobre esse homem…?
“Aí fui morara com ele, com esse rapaz. Vivi mais ou menos uns 8 anos, mas não deu certo, a gente se separou. Fiquei sem nada de novo porque era ele que pagava tudo e pagava o aluguel. Nisso voltei pro brega de novo.
Só que já comecei a botar minhas ideias pra funcionar. Comecei juntando um dinheiro. Não fazia como antes. Antes eu pegava o dinheiro e gastava, comprava roupa, sapato, era brinco, era jóia, era droga que eu gostava de cheirar cocaína. Eu só ia pros quartos com os homens cheia de cocaína. ”

  • Que idade você tinha nessa época?
“Cheguei lá com 15 pra 16 anos. ”

  • Saiu de lá com quantos anos?
“Mais ou menos com 20 e poucos. Mas sair, sair mesmo, pra não fazer mais tem uns 10 anos que sai de verdade. ”

  • Hoje você possui outra vida, trabalha em casa de família, já tem bisnetos. O que diria para as mulheres que estão na prostituição?
“Elas deveriam procurar outro tipo de emprego e sair dali. Ali não é lugar pra ninguém. Naquela época não tinha esses doenceiros que tem hoje. Tinha, mas não era como agora, hoje tem muita doença e isso não é vida pra ninguém. Elas estão se arriscando, as doenças estão matando muitas mulheres. Aconselho isso pra elas. Se eu tivesse condições eu faria uma casa de apoio só pra eu não ver mais essas mulheres fazendo programa. ”

  • Qual é a importância da Pastoral na sua vida?
“Pra mim é tudo. Minha mãe que é minha mãe não me deu apoio e eu recebi apoio aqui na Pastoral da Mulher, com as irmãs. É tanto que quando eu fico sabendo que elas estão por aqui eu faço de tudo pra vir na sede pra poder ver elas. Seu eu sou o que sou hoje eu agradeço a elas que abriram meus olhos, me ensinou a fazer unha, a cortar cabelo. Tudo foi elas que me ensinaram. ”

  • Houve alguma irmã oblata que mais lhe marcou? Por que?
“Pra marcar mesmo foi a irmã Vilma. Ela era a que mais me ajudava. Às vezes eu tava na necessidade e chegava pra ela dizendo: ‘irmã Vilma faz favor, eu não tenho isso…’ Ela ligeirinho ia na bolsa dela, tirava um dinheiro que nem sei se era dela, tirava e me dava pra comprar as coisas que eu tava necessitando. Ela me ajudou muito, muito. Aluguei uma casinha pra eu morar e às vezes as irmãs me ajudavam a pagar o aluguel, a comprar o bujão. Aqui às vezes tinha a feira, acho que as irmãs arrecadavam alimentos e doavam para as mulheres que mais necessitavam. Aí, foram me ajudando e eu fui saindo da vida. Foi assim que eu consegui. Então tenho muito o que agradecer, primeiramente a Deus e segundo a elas. ”

***

Orquídea esteve presente na celebração de 41 anos da Pastoral e no momento das preces, deixou a seguinte mensagem aos presentes:

“Muitas mulheres precisam conhecer um pouco das coisas da Pastoral, pra ver se acordam e abrem os olhos.
Acho que cada uma de nós, assim como eu, deve aprender a sobreviver sem certos meios. Espero que aquelas que estão passando por esta vida, venham abrir os olhos e Deus venha tocar o coração de cada uma. Que elas possam viver de outra maneira, como dizem que é digno.
Eu como pessoa não acho digno, já passei, já fiz isso e acho que não é bom. Penso que o que não é bom pra mim, não vai ser bom para os outros. A gente tem que amar o próximo como a gente mesmo, então se eu me amo eu quero amar o próximo e peço a Jesus que cubra elas de bênçãos.
Vocês sabem que a violência tá muito grande. Hoje em dia tá se matando mulher a torto e a direito. A gente como mulher que não tá, tem que pedir a Deus por nossas amigas que estão lá, as nossas conhecidas e as vezes até gente de nossa família que tá lá.
Eu tenho muito o que agradecer às irmãs e a vocês irmãs agentes que quando a gente chega, abraça a todos nós. ”
***
Agradecemos à Orquídea por todos os abraços que nos traz e por todo incentivo que proporciona às demais mulheres, unindo forças ao trabalho da Pastoral da Mulher – Rede Oblata.


Conteúdos do blog

As publicações deste blog trazem conteúdos institucionais da Pastoral da Mulher – Unidade da Rede Oblata Brasil, bem como reflexões autorais e também compartilhadas de terceiros sobre o tema prostituição, vulnerabilidade social, direitos humanos, saúde da mulher, gênero e raça, dentre outros assuntos relacionados. E, ainda que o Instituto das Irmãs Oblatas no Brasil não se identifique necessariamente com as opiniões e posicionamentos dos conteúdos de terceiros, valorizamos uma reflexão abrangente a partir de diferentes pontos de vista. A Instituição busca compreender a prostituição a partir de diferentes áreas do conhecimento, trazendo à tona temas como o estigma e a violência contra as mulheres no âmbito prostitucional. Inspiradas pela Espiritualidade Cristã Libertadora, nos sentimos chamadas a habitar lugares e realidades emergentes de prostituição e tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, onde se faz necessária a presença Oblata; e isso nos desafia a deslocar-nos em direção às fronteiras geográficas, existenciais e virtuais. 
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