Em tempos de pandemia, existe imunidade contra a miséria?

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Com o passar dos dias, acompanhamos o aumento dos registros de infecção e morte pelo Covid-19 em todo o mundo. As medidas de prevenção seguem sendo a principal forma de controle a pandemia: lavar bem as mãos com água e sabão, usar álcool em gel, evitar aglomerações e ficar em casa. Diante desse cenário, nós que fazemos a Pastoral da Mulher – unidade Oblata em Juazeiro¹, nos preocupamos com as assistidas frente aos desdobramentos dessa problemática, que toca além das questões de saúde.

A recomendação de manter distanciamento social vem sendo bastante discutida no Brasil criando conflitos de interesses a partir do posicionamento do governo, na figura do chefe de Estado, e empresários de diversos ramos, que alegam não ser necessário o isolamento horizontal² nesse momento, sob o argumento do reflexo negativo na economia; batendo de frente com a narrativa dos governadores de grande parte dos estados, além de especialistas, que enxergam na medida orientada pela Organização Mundial de Saúde(OMS), a única forma do vírus não se espalhar, ocasionando milhares de mortes em virtude da fragilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) para atendimento em larga escala.

Imagem de congerdesign por Pixabay

Na perspectiva do controle a disseminação da doença, o Brasil ainda enfrenta diversos desafios. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 16% da população não possui acesso a água, 37% vive em áreas sem coleta de esgoto. Uma parcela considerável vive em imóveis com mais de 3 moradores por dormitório. São milhares de pessoas habitando em favelas ou outras localidades periféricas, além daquelas em situação de rua. Tratam-se de cenários de pobreza extrema. Como lavar as mãos quando não tem sequer água em casa? Como manter o distanciamento social seguro numa casa “superlotada”? Como se proteger quando não se tem um teto?

Outro fator que imprime preocupação é o crescimento do desemprego. De acordo com pesquisa realizada pelo IBGE, a taxa de desemprego no Brasil ficou em 11,2% no trimestre encerrado em janeiro, atingindo 11,9 milhões de pessoas, sendo esse quadro reforçado na atual conjuntura. Os trabalhadores informais sofrem impactos diretos, quando têm que optar entre a proteção e a busca pela subsistência. Surge mais uma pergunta: quem vai colocar o pão na mesa?

O público atendido pela Pastoral da Mulher se encontra, em sua maioria, dentro do perfil acima descrito. São mulheres pobres, autônomas, que residem em periferias com famílias numerosas, grande parte não tem casa própria e têm no exercício da prostituição sua principal fonte de renda. Nesse momento se veem conflitantes entre o risco de exposição a contaminação e a necessidade de garantir o sustento de seus lares.

Nesse contexto, as desigualdades sociais gradativamente se acentuam, sendo necessárias estratégias governamentais urgentes para conter o aumento das expressões da questão social que afetam o país como um todo, em especial os mais pobres.

O auxílio emergencial para trabalhadores autônomos, desempregados e microempreendedores de baixa renda, longe de resolver problemas estruturais, se configura como um mecanismo capaz de minimizar os danos da crise, possibilitando que as famílias possam permanecer em suas casas, sem trabalhar durante o período de risco de transmissão do coranavirus, obedecendo assim as determinações do Ministério da saúde e demais órgãos competentes.

A medida, que prevê proteção social, viabilizará aos mais pobres suprir necessidades básicas com o consumo mesmo durante a recessão, minimizando o impacto da falta de trabalho. Ainda são necessárias novas providencias que assistam outras populações vulneráveis, como a criação de mais abrigos para moradores de rua, por exemplo.

É tempo de solidariedade, de humanidade, mas sobretudo é tempo de garantir a cada cidadão e cidadã o direito inviolável à vida, conforme previsto na Constituição Federal Brasileira.

A Pastoral da Mulher, juntamente com toda a Rede Oblata Brasil, tem unido forças nessa luta se posicionando a favor das mulheres e de toda a população. Seguimos orientando as assistidas através do telefone e das redes sociais, mantendo-as informadas a respeito das questões assistenciais e de saúde, além de ouvi-las e orienta-las conforme suas demandas individuais, acalentando-as com palavras de fé e otimismo diante da atual situação. Continuaremos resistindo, buscando justiça social, abraçando a nossa missão e priorizando o nosso bem mais precioso e dado por Deus: o dom de viver.

  1. Instituição que atua há 41 anos com mulheres que exercem a prostituição em situação de pobreza e/ou vulnerabilidades sociais na cidade de Juazeiro/BA
  2. Segundo o site Folha de S.Paulo, isolamento horizontal são medidas mais abrangentes de distanciamento social e restrição de circulação de pessoas. Tais medidas podem ir desde o distanciamento sugerido (ao mesmo tempo em que há fechamento de escolas, lojas, museus, estádios etc) até mesmo um lockdown, no qual o governo proíbe a movimentação das pessoas e chega a estabelecer multas e até prisão para quem sai de casa sem motivo justificado.

Texto: Anna Lícia Brito (Assistente Social) e Iana Joane (Ass. Adm. Financeiro e Educ. Social) – Pastoral da Mulher

Conteúdos do blog

As publicações deste blog trazem conteúdos institucionais da Pastoral da Mulher – Unidade da Rede Oblata Brasil, bem como reflexões autorais e também compartilhadas de terceiros sobre o tema prostituição, vulnerabilidade social, direitos humanos, saúde da mulher, gênero e raça, dentre outros assuntos relacionados. E, ainda que o Instituto das Irmãs Oblatas no Brasil não se identifique necessariamente com as opiniões e posicionamentos dos conteúdos de terceiros, valorizamos uma reflexão abrangente a partir de diferentes pontos de vista. A Instituição busca compreender a prostituição a partir de diferentes áreas do conhecimento, trazendo à tona temas como o estigma e a violência contra as mulheres no âmbito prostitucional. Inspiradas pela Espiritualidade Cristã Libertadora, nos sentimos chamadas a habitar lugares e realidades emergentes de prostituição e tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, onde se faz necessária a presença Oblata; e isso nos desafia a deslocar-nos em direção às fronteiras geográficas, existenciais e virtuais. 
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